Sandro Meira Ricci no Fla-Flu: possível interferência externa será julgada (Foto: Ag. Estado)

Depois do Fla-Flu, só se fala nela, a tal da interferência externa. Mas, afinal, do que se trata? O que é esse elemento legal que fez o resultado clássico carioca ser retirado da tabela do Brasileirão até que o STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportivo) julgue pedido do Fluminense, que se sentiu prejudicado na partida?

O GloboEsporte.com responde algumas perguntas abaixo, no estilo FAQs (Frequently Asked Questions), as questões mais frequentemente levantadas sobre determinado assunto.

Para quem está por fora, vale lembrar: no Fla-Flu da 30ª rodada, o Flamengo vencia o jogo por 2 a 1, e o Tricolor fez um gol com Henrique. Ele estava impedido. A arbitragem inicialmente marcou impedimento, mas depois voltou atrás, por decisão do árbitro Sandro Meira Ricci. Jogadores do Flamengo pressionaram, houve invasão de campo, e a decisão foi novamente modificada: impedimento marcado, gol anulado. O Fluminense argumentou que a decisão foi tomada por interferência externa – ou seja, que alguém disse à arbitragem que ela havia errado ao dar o gol. Por isso, entrou com pedido de anulação no STJD. O caso ainda será julgado.

O que é a interferência externa?
É aquilo que acontece por influência de alguém externo ao campo de jogo. O árbitro não pode tomar uma decisão baseada em informações de uma pessoa de fora que não seja do quadro de arbitragem – seja ela um delegado da partida, um dirigente, um repórter, um torcedor ou mesmo um replay no telão do estádio. Se isso acontecer, é o chamado erro de direito, e a partida pode ser anulada – desde que seja provado que ocorreu a interferência e que a decisão da arbitragem resultou dela.

Diz o presidente do STJD, Ronaldo Piacente: “Interferência externa é tudo que vem de fora do campo. Tudo que está fora das quatro linhas é uma interferência. A questão é se o árbitro principal ou assistente leva isso em consideração para dar sua decisão. A interferência externa existe em todos os jogos. Em 100% deles. O que precisa ser levado em consideração é se o árbitro obtém essa informação e toma sua decisão por causa dela”.

Se os jogadores reservas de uma equipe pressionarem a arbitragem e ela mudar a decisão, isso configura interferência externa?
Se ficar comprovado que a mudança ocorreu por causa de alguma informação que os jogadores transmitiram ao árbitro, sim. Afirma Piacente: “Entendo que se o reserva recebe uma informação, vai até o campo e passa a informação ao árbitro, é interferência externa. Quem garante que ele não recebeu isso de um terceiro?”

Interferência externa é um erro de direito?
Sim. Existem os erros de fato e os erros de direito. Os erros de fato são quando o árbitro se equivoca por falha de percepção – não vê uma mão na bola, um pênalti, um impedimento. Os erros de direito são quando é tomada uma decisão alheia à lei. É o caso de aceitar interferência externa. E erros de direito levam à possível anulação de partidas, como o CBJD (Código Brasileiro de Justiça Desportiva) mostra no artigo 259, cujo texto diz: “A partida, prova ou equivalente poderá ser anulada se ocorrer, comprovadamente, erro de direito relevante o suficiente para alterar seu resultado”.

Como é caracterizada, na regra do futebol, a interferência externa?
A regra do jogo não tipifica esse caso. Isso está no CBJD, como mostrado acima. O caderno de regras, em sua regra 5, diz que “as decisões do árbitro sobre fatos relacionados ao jogo, incluído o fato de um gol ter sido marcado ou não e o resultado da partida, são definitivas”.

No caso de um jogo ser anulado por interferência externa, o que acontece?
O jogo é repetido, com data a ser definida pela CBF. Segundo o presidente do STJD, a repetição acontece independentemente de quem foi o autor da interferência externa.

Um jogo pode ser anulado caso o time teoricamente favorecido pela influência externa seja o perdedor da partida ou caso o time teoricamente prejudicado seja o vencedor?
Na teoria, sim. Mas a questão é quem entraria com pedido de anulação. Se um time venceu mesmo sendo prejudicado, ele não tem razões para pedir a repetição da partida; e se um time perdeu, mas foi beneficiado pela decisão, também não faz sentido o pedido.

O quarto árbitro pode avisar ao juiz em caso de gol irregular?
Sim. Ele não configura interferência externa. Ele pode e deve alertar o árbitro sobre eventuais erros. “É obrigação dele fazer isso. É da nova regulamentação. Ele tem que fazer”, diz Leonardo Gaciba, comentarista de arbitragem da TV Globo.

No Fla-Flu, a arbitragem deu impedimento, mudou para gol, depois mudou novamente para impedimento. O árbitro pode modificar sua decisão quantas vezes quiser?
Não é bem assim. Em questões técnicas, ele pode mudar de opinião quantas vezes quiser, por quanto tempo quiser, mas desde que a bola não tenha entrado em jogo novamente. Se a partida já foi reiniciada, ele não pode voltar atrás em uma decisão técnica – um pênalti, um impedimento, se a bola cruzou ou não a linha em um gol. Mas é diferente com decisões disciplinares. Se um jogador der um soco no outro em um lado do campo sem o juiz ver, a bola seguir até o outro lado e sair gol, e só aí o auxiliar conseguir avisar ao árbitro, o agressor ainda pode ser expulso.

Alguma partida já foi anulada por interferência externa no Brasil?
Por uma situação como a do Fla-Flu, não. Em 2012, o Palmeiras tentou, mas não levou. Em jogo contra o Inter no Beira-Rio, o atacante Barcos fez gol com a mão. A arbitragem deu o gol, depois voltou atrás e o anulou. O Palmeiras argumentou que a decisão ocorreu por influência externa. O STJD entendeu que não houve provas e, por isso, manteve, por unanimidade, o resultado da partida – 2 a 1 para o Inter.

Mas o tribunal já ordenou que jogos fossem refeitos. O caso mais notório aconteceu em 2005, quando a descoberta de um esquema de manipulação de resultados levou à repetição de 11 partidas no Campeonato Brasileiro – duas delas, do Corinthians, que seria campeão.

O Flamengo já entrou com esse tipo de pedido?
O Flamengo, que agora se mostra incomodado com a ação do Fluminense, fez pedido parecido em 2013, pelo Campeonato Carioca. Por causa de um gol anulado de Hernane contra o Duque de Caxias, o clube rubro-negro pediu inquérito para apurar a possibilidade de interferência externa na partida – encerrada com empate por 1 a 1. O TJD-RJ pediu liminar para que o resultado não fosse computado enquanto a situação não fosse analisada. Depois, arquivou o caso.

Qual a chance de um clube conseguir anular uma partida?
É pequena. O tribunal exige provas cabais – nada que deixe dúvidas. Se, por exemplo, um árbitro chegar lá e admitir que mudou sua decisão de campo porque alguém de fora lhe avisou que estava errando, aí a situação muda de figura.