Gabigol, do Flamengo, comemora o segundo gol contra o Olimpia — Foto: Staff Images / CONMEBOL
Talvez ainda nos custe um tempo para decifrar este Flamengo de Renato Gaúcho, sua marca, sua identidade. Entender de que forma pretende bater seus rivais, como tenta impor seu jogo e qual é exatamente este jogo. Ou, talvez, venhamos a concluir que este não é um time que se pretende autoral, uma equipe que dispensa ser conhecida pelo estilo. Talvez seja simplesmente um time que vence suas partidas, e o faz por muitos gols, com momentos muito atraentes, como resultado do raro encontro de talentos no elenco.
Mas a curiosidade por tentar entender esta sucessão de goleadas é um tanto inevitável. Não apenas pela frequência com que ocorrem ou pela beleza dos gols, mas porque as sensações deixadas após os jogos, após os placares elásticos, contrasta com impressões transmitidas durante as partidas. Não foram poucas as vezes em que, antes de o rubro-negro desandar a fazer gols de forma encantadora, os defeitos estruturais que, momentos antes, faziam o time parecer desconfortável dominassem o debate. O tema podia ser a distância entre setores ou a aparência de um jogo descontrolado, de idas e voltas, num cenário antagônico em relação àquele Flamengo que se instalava em campo rival e dominava as ações, impunha um estilo muito marcante, de extremo controle. O Flamengo de Renato flerta com o caos. Mas ganha, e de muito.
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O turbilhão de sensações num só jogo se expressa através de uma curiosa rotina: os gols concentrados num período curto de tempo, transformando em goleadas partidas que pareciam destinadas à incerteza. Quando fez 4 a 1 no Defensa Y Justicia, pela Libertadores, o Flamengo empatava em 1 a 1 até os 21 minutos do segundo tempo. Em seguida, fez três gols em 27 minutos. Mas não é só andamento do placar, é a narrativa. A análise passou de um exame sobre a falta de controle, de domínio, ao poderio ofensivo imparável.
Nos 5 a 1 sobre o São Paulo, o time perdia até os 25 minutos da etapa final. Antes de fazer cinco gols em 21 minutos, fora até inferior aos paulistas no primeiro tempo, num jogo de golpes e contragolpes frenéticos. A virada vem numa preciosidade de Bruno Henrique. Aliás, a frequência com que os homens de frente rubro-negros produzem preciosidades ajuda a explicar alguns resultados. Mais do que imposição tática, talvez.
A visita do Olimpia gerou discussões sobre por que o Flamengo, que trouxera larga vantagem do Paraguai, tinha tantos problemas para controlar a partida, defendia mal, aceitava um jogo aberto sem ser eficiente neste contexto. Num espaço de 27 minutos, três gols transformaram um 2 a 1 em 5 a 1 e deram ares de exibição ao jogo. Porque quando o Flamengo enfileira gols, o faz com lances esteticamente admiráveis.
O Grêmio foi melhor do que o Flamengo no primeiro tempo de Porto Alegre, há menos de uma semana. Sofreu o gol de Bruno Viana numa bola parada, até se expor demais e ver a eliminatória ser virtualmente encerrada com três gols em 11 minutos. O jogo estava 1 a 0 aos 40 do segundo tempo, terminou 4 a 0. No intervalo, o tema era um só: como os rubro-negros permitiam a um rival em péssima fase fazer seu melhor jogo do ano. Ao apito final, era celebrada mais uma vitória contundente e indiscutível.
Enredo similar ao da Vila Belmiro, onde o Santos foi melhor no primeiro tempo, até sofrer um gol de pênalti e ver o Flamengo pular da vitória mínima ao 4 a 0 com três gols em 13 minutos. O debate sobre o jogo ruim ao intervalo deu lugar à sensação de que este time pode fazer quantos gols quiser.
Há um ponto em comum nestes jogos: o primeiro gol mudou o panorama e ofereceu um espaço fatal quando se enfrenta um time com tanto talento. Seria possível argumentar que este Flamengo se transformou numa equipe adepta do contragolpe? Talvez o tenha incorporado com maior frequência, mas o Flamengo dominou e fez 3 a 0 no Corinthians ao seu velho estilo: um monólogo futebolístico praticado o tempo todo no campo rival, com absoluto domínio. Sendo assim, seria possível falar em versatilidade. Mas a tese esbarra nos fartos momentos em que, disputando partidas abertas, descontroladas, de golpes e contragolpes, o Flamengo parecia incapaz de se impor aos adversários, num evidente desconforto, especialmente sem a bola, permitindo espaços entre defesa e meio-campo de maneira alarmante.
Mas a mudança de panorama após a abrir o placar, seguida por uma sequência de gols diante de rivais aparentemente batidos, esta sim comunica algo. Talvez o quanto a qualidade técnica faça o Flamengo precisar de poucos minutos do seu melhor futebol para decidir partidas. Ou, ainda, que o oponente baixe a guarda ao se ver atrás no marcador. Afinal, diante de tamanho potencial técnico do lado oposto, virar um jogo pode parecer uma montanha difícil de escalar.
O que está evidente é que, em desvantagem, os rivais têm criado um contexto sob medida para este Flamengo que não se compromete com a ocupação permanente do campo ofensivo, tampouco com a posse de bola: a oferta do espeço, um bem precioso para jogadores de tanta categoria. E, com espaço, não é simples parar Arrascaeta, Gabigol, Everton Ribeiro e Bruno Henrique.
Se nem sempre tem na imposição tática, no controle das ações o seu ponto forte, ainda assim este Flamengo parece um time de jogadores leves, sob o ponto de vista mental do jogo. E este é, aparentemente, um trabalho de Renato. Os homens de frente rubro-negros parecem desfrutar da liberdade de movimentação, da possibilidade de se aproximarem para combinar jogadas, de uma disposição no campo que os agrada.
No fim das contas, é possível ter mil teorias. Não é possível fugir de um fato: o Flamengo é uma das forças do Campeonato Brasileiro porque é uma reunião notável de talentos capazes de desequilibrar no cenário nacional. Que cara este time terá daqui até o fim da temporada, é uma resposta que talvez só o tempo venha a oferecer.
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