O vice de finanças do Flamengo, Rodrigo Tostes, chegou à sede da Gávea em meio a um dia conturbado. Horas antes, agentes do Procon-RJ haviam entrado no clube em busca de documentos na discussão sobre o aumento do preço dos ingressos para a final da Copa do Brasil. Em determinado momento, o dirigente passou por uma inscrição gravada em uma das lajotas do chão da entrada da sede, retirado do livro "O vermelho e o negro", do escritor Ruy Castro.

Em um trecho, as linhas dizem: "Sua camisa vermelha e preta...está nos barracos das favelas e nas coberturas triplex". O convívio das mais diversas classes sociais e o suposto afastamento do Flamengo das camadas mais pobres, que compõem sua identidade, estão em discussão. Em conversa com o ESPN.com.br, o dirigente separou questões. Primeiro, mostrou grande irritação com a atitude do Procon-RJ na Gávea. Depois, negou ser elitista e apontou, nesta entrevista, os motivos pelo qual o Flamengo aumentou o preço do ingresso para a final da Copa do Brasil.

"O Flamengo vai buscar na Justiça a reparação do que aconteceu aqui. A gente sabia que ia mexer num vespeiro e isso é consequência do que estamos fazendo", disse Tostes.

Preço do ingresso

"Para o preço do ingresso a resposta foi dada nos primeiros vinte minutos que foram vendidos quase dez mil ingressos. Fica a critério de cada um avaliar se está caro ou barato. Nessa discussão está se perdendo uma grande oportunidade. Por que isso está acontecendo, por que vai acontecer de novo? Ninguém discute o porquê de o Flamengo ter a necessidade."

Dívidas do clube

"Chegamos no clube com uma dívida de 750 milhões, com furo de caixa de R$ 124 milhões e reduzimos para R$ 25 milhões. Não podemos perder essa oportunidade. Se acontecer um problema no fim do mês, se a gente não pagar os atletas...isso seria uma irresponsabilidade minha não aproveitar a oportunidade para fazer caixa. Não sou culpado pelos 750 milhões de dívidas nos últimos anos porque provavelmente ninguém aproveitou situações como essa (jogos decisivos)."

Polêmica construída

"Quando a gente começou essa discussão de sócio-torcedor, preço de ingresso, benefícios, eu tinha certeza absoluta que a gente ia mexer com um vespeiro, com uma máfia, que é o que todo mundo sabe e ninguém tem certeza para onde vão os ingressos, quem fica com os ingressos. Em 30 anos que vou ao Maracanã, o estádio está lotado e aparecem 50 mil torcedores. Para quem vai e onde vai? Com sócio-torcedor, o Flamengo vai acabar com o ingresso na bilheteria. Estamos mexendo com interesses de muita gente. Resolvemos fazer isso, correr esse risco. A ação que ocorreu aqui (do Procon-RJ) é desproporcional, ilegal e infundada. É uma das consequências do que nós estamos fazendo. Tem alguma coisa que aconteceu aqui e vamos descobrir. A instituição merece respeito e isso não foi feito. O Flamengo vai buscar na Justiça a reparação do dano que foi feito. Os sócios-torcedores não têm nada ver. O preço do ingresso não justifica um funcionário ter sido preso"

Erro no cálculo do ingresso

"Se não tivéssemos vendido nenhum ingresso podia ter concluído que sim (está caro). A resposta está sendo dada aí. Cada um chega à sua conclusão e diz se está caro ou barato. Meu papel é zelar pelas finanças do clube. Eu não posso parar. De cada dez caras que vão ao Maracanã, oito são de meia-entrada. Então não me venham com essa hipocrisia que o preço do ingresso é R$ 250. Não é. Está se perdendo uma oportunidade muito grande de se discutir o preço do ingresso. É meia-entrada, é gratuidade. Isso que deveria estar sendo discutido. É uma cambada de aproveitador que, politicamente, está se aproveitando dessa discussão para serem baluartes. Queria saber se os caras que fazem isso usam meia-entrada no cinema. Se de cada dez oito usam. Não posso pagar jogador com meia-entrada e gratuidade. Eu faria a pergunta ao torcedor: você prefere o ingresso barato ou time forte? Se eles preferirem ingresso barato, colocamos a R$ 2. Mas não vamos ter time forte."

Solução para reduzir preço do ingresso

"A solução que eu vejo é se fazer as vendas antecipadas pela internet e montar o sistema que até o sócio-torcedor tenha a necessidade de comprovar alguma coisa. Eu teria muito mais conforto em fazer o preço em R$ 125 do que a R$ 250. A discussão que se necessitaria ter é não só no futebol. É no cinema, no teatro. Ninguém vai contra. O que não é justo é que o cara que faz corretamente pague pelo cara que faz errado. A gente deveria estar falando mais dos porquês. Por que o Rio de Janeiro é o único estado que tem gratuidade? Por que na Copa do Mundo não tem gratuidade? Porque eles, a Fifa, provavelmente não quiseram ser lesados. Eles olharam de fora e viram que é um absurdo. Eles estão certos. O que tem a ver o cara ser estudante e pagar meia-entrada? Vai ter atestado de pobreza para cobrar meia-entrada? Não faço isso ou pago meio salário para jogador."

Desconfiança de ação do Procon-RJ

"Eu desconfio de toda ação desproporcional a uma causa. Não justifica o que foi feito. Não justifica a atitude. Desconfio de tudo e todos em que há uma ação desporoporcional. Estamos mexendo em mais coisa do que estamos vendo."


Cota de ingressos populares

"Eu gostaria muito. Como é que a gente garante que esse torcedor vai comprar o ingresso? O que a gente ouve e a gente vê é que tem gente que contrata mais gente para comprar ingresso e depois revender. O que o Procon deveria estar fazendo é fiscalizar essa fila. É fiscalizar o cambista pelo preço abusivo. É isso que o Procon deveria estar fazendo. Estamos querendo fazer o nosso trabalho."

Carnês para Libertadores

"Se a gente for para a Libertadores vamos colocar os três primeiros jogos à venda antes do fim ano. Tem uma máfia e vamos tirar. A gente vai apanhar, mas vai fazer parte de um processo evolutivo no futebol. Você não consegue pagar as contas que você tem para pagar subsidiando ingresso. Sem o sócio-torcedor o Flamengo quebra. Ele precisa. Ano que vem ele vai chegar a ser mais importante do que o patrocinador principal do clube. Apostamos muito no sócio-torcedor."