Flamengo arrecadou R$ 163,9 milhões com PPV em 2022, enquanto o Cuiabá levou R$ 146,7 mil
Imagem: Gil Gomes/AGIF
A diferença de receitas de PPV (pay-per-view) entre o primeiro e o último colocado no ranking do Premiere disparou no Brasileirão 2022. De acordo com dados dos clubes aos quais à coluna teve acesso, o Flamengo foi o líder de arrecadação, com R$ 163,9 milhões, e os dois "lanternas" nas receitas, Cuiabá e Red Bull Bragantino, levaram R$ 146,7 mil cada. Neste texto você vai entender ponto a ponto o que levou a esse cenário, que fez o Rubro-Negro ganhar mais de mil vezes mais que esses clubes.
Antes de mais nada é importante lembrar algo sobre os contratos de TV do Brasileirão. O PPV é uma das formas de arrecadação, não a única. Os clubes contam ainda com o contrato de TV aberta e TV paga. No caso da TV aberta, todos os 20 participantes da Série A de 2022 estavam contemplados e dividiram cerca de R$ 823 milhões com base no critério 40/30/30 (40% do valor era distribuído igualmente, 30% por número de transmissões, e 30% por posição na tabela, como premiação, mas do 1º ao 16º). Na TV paga, só o Athletico não fez parte do contrato com o sportv, que distribuiu outros R$ 686 milhões.
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Vamos agora aos valores dos clubes APENAS no PPV:
- Flamengo: R$ 163,9 milhões por contrato (seriam R$ 79 milhões por percentual de vendas - 21,5%)
- Corinthians: R$ 110 milhões por contrato (seriam R$ 48 milhões por percentual de vendas - 12,2%)
- Palmeiras: R$ 50 milhões por contrato* (seriam R$ 33 milhões por percentual de vendas - 9%)
- Grêmio: R$ 45,3 milhões por contrato (seriam R$ 24,2 milhões por percentual de vendas - 6,6%) - jogou a Série B
- São Paulo: R$ 33,8 milhões (9,2%)
- Vasco: R$ 24,9 milhões (6,8%) - jogou a Série B
- Cruzeiro: R$ 22,1 milhões (6%) - joga a Série B
- Atlético-MG: R$ 19,9 milhões (5,4%)
- Internacional: R$ 18,8 milhões (4,9%)
- Fluminense: R$ 12,7 milhões (3,5%)
- Botafogo: R$ 11,5 milhões (3,1%)
- Santos: R$ 11,5 milhões (3,1%)
- Bahia: R$ 7,3 milhões (2%) - jogou a Série B
- Ceará: R$ 2,9 milhões (0,81%)
- Fortaleza: R$ 2,3 milhões (0,6%)
- Coritiba: R$ 1,9 milhões (0,5%)
- Goiás: R$ 1,2 milhões (0,3%)
- Avaí: R$ 1 milhão (0,27%)
- América-MG: R$ 587,1 mil (0,15%)
- Atlético-GO: R$ 550,4 mil (0,15%)
- Juventude: R$ 366,9 mil (0,1%)
- Red Bull Bragantino: R$ 146,7 mil (0,04%)
- Cuiabá: R$ 146,7 mil (0,04%)
* Os dados aos quais a reportagem teve acesso apontaram que o Palmeiras voltou a ter garantia mínima de PPV em 2022
Tendo isso em mente, vamos aos pontos importantes sobre a discussão do PPV:
Primeiro ponto: a arrecadação do PPV caiu ainda mais que o previsto. A Globo, dona do Premiere, repassou aos clubes algo em torno de R$ 370 milhões, de acordo com as estimativas de clubes da Série A do Brasileirão. A projeção publicada em agosto pela coluna era de R$ 400 mi. A diferença que a Globo paga aos clubes que possuem o mínimo garantido por contrato para "completar" o valor acordado não entra nessa conta.
Segundo ponto: Flamengo e Corinthians recebem mais do que ganhariam proporcionalmente ao valor arrecadado pelo Premiere durante a temporada porque a Globo tem obrigação contratual de honrar os valores acertados na época da assinatura do contrato. O Flamengo tinha mínimo garantido de R$ 120 milhões, enquanto o Corinthians ficaria com algo em torno de R$ 80 mi. Esses valores são corrigidos pela inflação. Em 2022, o Rubro-Negro chegou aos R$ 163,9 mi, enquanto o Corinthians levou R$ 109,2 milhões.
Terceiro ponto: todos os clubes originalmente poderiam ter mínimos garantidos. Esse mínimo era uma forma de a Globo segurar as equipes em meio à disputa com o então Esporte Interativo pelos direitos de TV paga do Brasileirão no contrato de 2019 a 2024. A emissora prometeu pagar os percentuais de participação dos clubes sempre com base em um valor fixado. Para 2019, seriam R$ 650 milhões. Em 2020, esse valor subiria para R$ 700 mi.
Quarto ponto: havia uma regra para que o mínimo garantido por contrato fosse válido. A Globo exigia assinatura de todos os 20 clubes participantes da Série A. Em 2019, nem Palmeiras e nem Athletico tinham ainda topado fechar com o PPV do campeonato. Os dois clubes eram da cota do Esporte Interativo na TV paga e endureceram com a emissora carioca na negociação pelo pay-per-view.
Quinto ponto: outros clubes que já estavam fechados com a Globo decidiram pedir adiantamentos dos contratos para fechar contas da época. Era uma prática já conhecida e comum no mercado, quando os clubes usam as cotas de direitos de transmissão como garantias para tomar empréstimos. A Globo aceitou fazer os adiantamentos, como informou a coluna de Rodrigo Mattos, mas em troca de os clubes abrissem mão da garantia mínima. Foi o que aconteceu. Sem esse recurso, os times que abriram mão ficaram reféns da arrecadação que flutua de acordo com as vendas ano a ano no PPV, enquanto quem manteve continuou ganhando o valor combinado acrescido da inflação.
Sexto ponto: a nova planilha que a coluna consultou mostra que o Palmeiras voltou a ter um valor mínimo garantido por contrato no PPV, após ter negociado esse item ainda na gestão de Maurício Galiotte, mas valendo apenas por 2019, na época com algo em torno de R$ 80 milhões. Os dados de 2022 apontam que o clube agora tem mínimo garantido de R$ 50 milhões. Vale lembrar que após a rescisão com a TNT Sports, antigo EI, o clube comandado por Leila Pereira assinou um novo acordo com a Globo para incluir os direitos do sportv na TV paga.
Sétimo ponto: mesmo rebaixado à Série B, o Grêmio também manteve o seu mínimo garantido por contrato. Agora foi possível definir o valor, que ficou em pouco mais de R$ 45,3 milhões. Os times da segunda divisão fazem parte do mesmo bolo de repartição do dinheiro, e o Bahia, por exemplo, arrecadou R$ 7,3 milhões. O Vasco representou quase R$ 25 milhões em repasse de vendas no Premiere. O Tricolor gaúcho, não fosse o mínimo contratual, teria levado algo em torno de R$ 24,2 mi.
Oitavo ponto: os contratos do modelo atual foram fechados em uma outra época e dinâmica. Desde 2011, quando o Clube dos 13 deixou de ser responsável pela venda conjunta dos direitos de transmissão do Brasileirão, cada clube passou a negociar diretamente com as emissoras. Na época, os dissidentes abandonaram uma licitação que o C13 promovia e passaram a fechar contratos individuais com a Globo, que seguia uma lógica própria de divisão do dinheiro.
Um contexto importante sobre o mercado de 2011 até hoje
O Brasil ainda tinha na Lei Pelé o dispositivo que dava aos dois clubes em campo o direito de negociar uma partida de futebol. Ou seja, uma emissora precisaria ter contrato com ambos para mostrar um jogo. Se cada clube tivesse fechado com um canal diferente, o jogo precisaria de um acordo entre as duas emissoras, ou ficaria sem transmissão. Quando vários clubes, como Grêmio, Corinthians, Vasco, Palmeiras, Santos, Cruzeiro e, depois, o Flamengo, fecharam com a Globo, se tornou quase inviável outro canal negociar com poucos times e transmitir apenas os jogos entre eles.
Foi isso que o Esporte Interativo se arriscou a fazer em 2016, quando fechou os primeiros contratos válidos a partir de 2019 na TV paga. O canal conseguiu levar times como Santos, Internacional, Bahia, Athletico, Coritiba, Fortaleza, Ceará, e ainda conseguiu o Palmeiras em contrato assinado logo após a conquista do título brasileiro em 2016.
Nesse contexto, a Globo se viu ameaçada pela primeira vez em décadas por uma empresa estrangeira, já que o Esporte Interativo acabara de ser adquirido pela Turner, hoje Warner Bros. Discovery.
Prova disso é que na época a Globo topou acabar com a distribuição que ela fazia por conta própria dos valores e incorporou o modelo de distribuição "40/30/30" que já explicamos. Na proposta do Esporte Interativo, os percentuais eram um pouco diferentes (50/25/25), mas a lógica era a mesma.
Como Flamengo e Corinthians perderiam a vantagem que tinham até então, a emissora carioca ficou arriscada de perder a dupla mais popular do país. Por isso a emissora se comprometeu a pagar valores sempre garantidos e ajustados pela inflação no PPV e fora da divisão de TV aberta e TV paga, que seguiria a lógica descrita no parágrafo anterior.
Repasses do Premiere despencaram após a pandemia
O principal motivo da diferença entre Flamengo, Corinthians e os demais é realmente o fato de eles ainda conservarem o mínimo garantido que outros clubes deixaram pelo caminho. Mas há outro fator também. Além de não terem mais direito aos seus percentuais calculados sobre R$ 650 milhões em 2019, R$ 700 mi em 2020, e ver esse bolo aumentar com a inflação nos anos seguintes, os clubes ainda viram a arrecadação e os repasses do Premiere despencarem nos últimos anos.
É verdade que o valor previsto para 2019 já não foi alcançado. O repasse ficou em R$ 534 milhões, ou seja, R$ 116 milhões a menos do que a Globo tinha calculado nos mínimos garantidos. Em 2020, com a pandemia, a situação piorou de vez. O futebol ficou paralisado, o Brasileirão começou apenas em agosto e foi concluído em fevereiro de 2021. O repasse caiu para R$ 437 mi. Em 2021, o Brasileirão registrou R$ 411 milhões, até cair para os R$ 367 milhões de 2022.
Nesse tempo, o Premiere perdeu competições estaduais, a Globo deixou de ter vários eventos na grade que acabaram gerando outros serviços de PPV na concorrência (o antigo pacote do sportv na Libertadores, por exemplo, virou o pay-per-view Conmebol TV, e hoje está com a Paramount), e o preço da assinatura do canal também caiu. É possível assinar diretamente pela internet por quase R$ 30 mensais no plano anual.
Em caso de mais dúvidas, fica aqui um "fio" (sequência de postagens) que a coluna preparou no Twitter em setembro do ano passado. Algumas informações de valores exatos podem ter mudado com as novas planilhas, mas as informações gerais que explicam a história do PPV nos últimos são as mesmas.
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