Quando ainda era um promissor jogador de 19 anos entre os profissionais do Flamengo, Zico experimentou o momento que define hoje, aos 70 anos, como o mais frustrante da carreira. Imediatamente decidiu desistir do futebol e abandonar tudo.

"Esperei meu pai chegar em casa e falei: "Pai, vou parar de jogar futebol. Não quero mais jogar bola não. Não quero passar pelo que meus irmãos passaram"", relembrou Zico.

A história pouco conhecida na biografia do Galinho faz parte das muitas revelações feitas por ele e por seus três irmãos Maria José (Zezé), Nando e Edu no especial "Zico em Família", que estreia neste sábado, 15 de julho, às 19h (de Brasília), na ESPN. Disponível antecipadamente no Star+.

Evidentemente que a desistência não se concretizou. Todos sabem que Zico acabou se tornando um imortal o Flamengo, com conquistas como o Mundial e a Libertadores em 1981, além de quatro títulos nacionais. Também virou um imortal no Japão e há 27 anos é criador e o responsável pelo CFZ.

Mas, durante algumas semanas de 1972, ele realmente deixou de se apresentar para treinar na Gávea. Estava decidido a não jogar nunca mais profissionalmente e investir nos estudos, como os pais queriam.

A frustração deu-se pela não convocação para a Olimpíada de Munique, em 1972, mesmo sendo um dos destaques no torneio classificatório na Colômbia, quando atuou ao lado de Paulo Roberto Falcão, do Internacional, e Enéas, da Portuguesa. Ele tinha na memória o sofrimento que dois de seus irmãos passaram anos antes. Antunes, então no Fluminense, foi ignorado nos Jogos de 1964, e Edu, craque do América-RJ, não fez parte nem da lista reserva para a Copa do Mundo de 1970.

"Cometeram uma injustiça muito grande com o Edu, ao meu ver, e com o Antunes. O Antunes parou de jogar justamente por ver a injustiça com ele e os colegas dele. Eu vivi isso de perto. Eu não aceitava também injustiça. Foi o que acontece comigo quando eu não fui convocado", disse Zico.

"Em 1971, eu já tinha sido lançado pelo [Fleitas] Solich no Flamengo. Depois [da campanha no pré-olímpico] não joguei mais. Isso foi em novembro, por ali. Quando nós voltamos [da Colômbia], estava todo mundo de férias, já tinha saído o Solich e entrado o Zagallo. Muita gente do Botafogo veio para trabalhar no Flamengo. Aí quando nós apresentamos [em janeiro de 1972], o Zagallo falou: "Você foi lançado prematuramente. Não vou contar com você, mas pode ficar treinando"", continuou.

Foram quase dois meses assim, até que num bate papo com Antoninho Fernandes, o técnico da seleção olímpica, ele ouviu que seria difícil convocá-lo se não voltasse a jogar.

"Aí voltei para o juvenil. Foram gols em cima de gols, campeão, artilheiro. Aí quando veio a convocação, eu nem escutei. Pra mim, eu estava na lista", relembrou.

Não estava. Foi quando voltou para casa e decidiu comunicar ao pai, flamenguista roxo, que não jogaria nunca mais. Foram os conselhos justamente de Antunes, seu irmão mais velho, e Edu, ainda no auge, que fizeram Zico mudar de opinião e retornar ao futebol. "Eles falaram: "Você não está agindo bem com o Flamengo. O Flamengo não tem culpa. O Flamengo sempre te ofereceu o melhor".

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O especial "Zico em família", com roteiro de Rafael Valente e reportagem de Cícero Mello, é uma viagem no álbum dos Antunes Coimbra, com memórias doces, divertidas e reveladores, como a contada acima, mas também nos arquivos de Caroço e seus caderninhos, onde registrou todos os passos da carreira.

Caroço foi o primeiro apelido de Zico, ainda na juventude, nas ruas de Quintino Bocaiuva, na zona norte do Rio de Janeiro, onde ele nasceu em 3 de março de 1953. Até hoje a casa onde o garoto viu a luz pela primeira vez está conservada. Virou há alguns a moradia do irmão Edu.

E os irmãos do Galinho, apelido que também é explicado, acabam roubando a cena ao compartilhar detalhes de infância de uma família criada por um pai doente pelo Flamengo.

Zico também faz confissões. Por exemplo, muitos dos fundamentos do futebol ele diz ter aprendido graças a um álbum de figurinhas do Pelé, nos anos 60, quando estava com 10 anos.

Aquele álbum foi, digamos, a base. A universidade da bola foram os irmãos.

Todos jogavam futebol na rua Lucinda Barbosa. Zico assistia admirado Antunes, que atuou pelo Fluminense, Nando, que jogou na base do Fluminense e depois entre os profissionais de América e Madureira, Edu, que começou no América carioca e brilhou também pelo Vasco, e Tunico, único que não foi profissional, embora sempre participou das pedalas da família e dos amigos.

Todos dizem que Antunes foi o verdadeiro mentor de Zico, mas o Galinho explica que acabou incorporando o ponto forte de cada um deles. Tornando-se quase uma síntese dos Coimbras.

A presença de Maria Zezé, por outro lado, abrange histórias fora do campo de jogo. Ela revela as aflições de um Zico vaidoso na adolescência, o gosto e, de certa forma, a necessidade da fama e a uma passagem muito sensível do Galinho com o próprio pai, muito mais velho e que adoeceu rapidamente e triste com lesões e dificuldades que o caçula acabou enfrentando no mundo do futebol na parte final da carreira.

"Zico em família" não é mais um especial sobre a trajetória dele no Flamengo ou na seleção brasileira. É um programa sobre o Arthuzinho, ou ArthuZico, o jovem de ouro dos Coimbra.