Rivais eternos, Flamengo e Botafogo têm uma série de arranhões nas relações institucionais. Iranildo nos anos 90 e Claiton na década seguinte, ambos com o destino General Severiano-Gávea, são exemplos disso, porém o caso mais recente e famoso é o de Willian Arão. A troca do preto e branco pelo rubro-negro em 2016 eclodiu um ferrenho período de alta tensão entre as diretorias. O empréstimo de Pablo do Flamengo para o Botafogo é um marco numa relação que se tornou mais light e amistosa a partir de meados de 2022. A aproximação deu-se nas figuras de Rodolfo Landim e John Textor, que hoje são amigos e mantêm papos quase que diários. Nesta quarta-feira, às 21h30 (de Brasília), no Maracanã, os clubes se enfrentam pela primeira vez após uma transferência concluída de forma amigável, algo que não acontecia entre Flamengo e Botafogo há muito tempo. Seria o início de uma era de paz no clássico?

O início da amizade entre Landim e Textor Logo após comprar ações do Botafogo e tornar-se sócio majoritário do clube a partir da criação da SAF, Textor, de olho no crescimento financeiro e esportivo liderado por Rodolfo Landim que mudou o Flamengo de patamar de 2019 em diante, procurou o mandatário rubro-negro. Desde então as conversas por telefone e presenciais entre os líderes de Flamengo e Botafogo tornaram-se constantes, sobretudo em relação a ações que poderiam melhorar o futebol brasileiro. O tema principal sempre foi a possível criação de uma liga. Em entrevista ao ge em junho do ano passado, John Textor fez inúmeros elogios a Landim nas negociações pela liga. Em suas declarações, destacou a "razoabilidade" do presidente do Flamengo e citou que pessoas dentro do Botafogo, de forma "absurda", colocavam "problemas de cinco anos atrás" como um entrave a um bom relacionamento entre os rivais . - Eu não gosto do Flamengo em campo, mas tenho muito respeito por Rodolfo e sua liderança. Acho que ele tem feito tudo o que pode para unir esta liga e vejo as pessoas ficando com raiva dele e falando sobre problemas de cinco anos atrás. Isso tudo é um absurdo para mim. - Sei que (o Flamengo ) são muito difíceis de lidar porque são grandes, bem-sucedidos e têm 40 milhões de torcedores, mas Rodolfo tem sido incrivelmente razoável como parceiro do processo e, ainda assim, perdemos todos esses prazos.

Interesse em rubro-negros No mesmo 2023, ainda em janeiro, Textor foi ao Ninho do Urubu conversar com João Gomes para tentar convencê-lo a desistir do inglês Wolverhampton, com quem já tinha acordo, e assinar com o Lyon, um dos cinco integrantes de sua rede de clubes. Tal encontro aconteceu com anuência de Rodolfo Landim, mas João preferiu o sonho de jogar na Premier League. Na mesma temporada, Lyon e Crystal Palace, dois clubes que fazem parte da Eagle Football Holdings de John Textor, manifestaram interesse em Victor Hugo e Wesley, mas não os tiraram do Flamengo. Em agosto, o Crystal Palace contratou Matheus França, uma das principais joias do Flamengo.

O "marco" Pablo Se Textor antes tentava tirar rubro-negros e colocá-los em um de seus clubes europeus, em 2024 o objetivo maior passou ser reforçar o Botafogo com jogadores do Flamengo. O primeiro alvo foi o lateral-direito Matheuzinho. Apresentou proposta sólida, de 4 milhões de euros à vista, mas a vontade do jogador pesou contra. O jovem de 23 está em vias de se transferir para o Corinthians. No último dia 25, quando perguntado do interesse alvinegro em Matheuzinho, Landim desconversou, mas deixou clara a amizade com Textor e revelou que assistiria ao amistoso entre Flamengo e Orlando City na companhia do dono do Botafogo. - Falo com ele sempre, cara. Falei com ele anteontem, hoje, e acho que ele está até vindo aqui para ver o jogo do Flamengo comigo. Está na Bahamas, acho que está vindo para cá. Falei para ele vir vestido com a camisa do Flamengo (risos), mas ele disse que vai vestir uma camisa da seleção brasileira. A investida por Matheuzinho não deu certo, mas o Botafogo venceu a concorrência do Corinthians por Pablo. Embora já tivesse vínculo com o clube do Parque São Jorge e um Brasileiro conquistado em 2017, o zagueiro de 32 anos preferiu o projeto esportivo dos cariocas. A vontade de seguir no Rio de Janeiro também pesou. Outra prova da boa relação entre os clubes foram os termos do empréstimo. O Flamengo aceitou pagar 26% dos salários de Pablo. Em contrapartida, o Alvinegro também não se opôs à multa de R$ 2 milhões colocada em contrato para o caso de escalação do defensor em partidas diante do Rubro-Negro.

A relação beligerante pós-Arão No fim de 2015, quando Willian Arão devolveu um depósito de R$ 400 mil que garantiria a renovação com o Botafogo, as relações com o Flamengo se estremeceram bastante. O Rubro-Negro já negociava com o volante antes mesmo do fim do contrato com o Alvinegro, e o anúncio oficial da contratação pelo rival, fez o então presidente botafoguense Carlos Eduardo Pereira manifestar-se contra o colega Eduardo Bandeira de Mello. - O sentimento é de decepção com o presidente Eduardo Bandeira. Ele teve várias oportunidades de tratar pessoalmente esse assunto comigo, mas optou por não fazer. Na ética dos negócios, eu esperava um outro comportamento do Flamengo. É uma decepção que certamente será levada em conta no futuro da relação dos clubes - disse ao ge , em 14 de dezembro de 2015. Três dias após a declaração de CEP, Bandeira contra-atacou e garantiu não ter faltado ética ao Flamengo. - Não faltou ética, contratamos um jogador que estava livre pela Justiça. Não tem nenhuma questão jurídica envolvida, nós apuramos, o jogador estava livre. Entramos em um entendimento que acabou se concretizando. Sempre conversei com o presidente do Botafogo, até estranhei esse tipo de declaração dele. Não vejo motivos do contrato que Arão assinou com o Flamengo não ser válido - disse Bandeira à Rádio Tupi, em 17 de dezembro do mesmo ano.

Enquanto esteve à frente do Botafogo, CEP sempre direcionou palavras duras ao Flamengo. Numa audiência sobre o Maracanã, em abril de 2017, tratou o rival como um "clube que não tem ética". - A minha sugestão é que a gente desarme os espíritos e discuta algo justa. O Maracanã deve ser de todos, assim como é o Nilton Santos. Só o Flamengo não pode jogar lá pois é um clube que nao tem ética e trata os temas com modos inadequados - afirmou Carlos Eduardo Pereira. - Eu achei estranho. Estou acostumado a estar em um ambiente com pessoas educadas. Disse que o Flamengo não adota ética. Mas o Flamengo nunca faltou com ética. Pelo menos na minha gestão. É um absurdo - rebateu Bandeira no mesmo dia. A tensão foi arrefecida levemente quando Nelson Mufarrej, de personalidade menos afeita a embates, substituiu CEP, em 2018. Mas o clima tranquilo de hoje em dia só tornou-se possível a partir da amizade entre John Textor e Rodolfo Landim. Com o empréstimo de Pablo como símbolo maior de um período mais amistoso entre as partes, fica a torcida para que rubro-negros e alvinegros parem de brigar fora dos estádios. Nos últimos anos, Botafogo x Flamengo foi de longe o duelo mais violento do Rio de Janeiro. Que a aproximação institucional permita o início de um período pacífico em um dos importantes clássicos do Brasil. Assista: tudo sobre o Flamengo no ge, na Globo e no sportv.