A indignação manifestada pelo juiz em uma sentença de um caso emblemático revela muito sobre a relação entre poder, impunidade e a mídia. Em 22 de fevereiro de 1998, a tragédia do desabamento do Palace 2 resultou na morte de oito pessoas, interrompendo vidas e destruindo famílias. Três anos depois, em 24 de maio de 2001, a justiça proferiu sua decisão, mas não sem antes expor sua frustração com a cobertura jornalística que lançou luz sobre os responsáveis, um deputado influente e construtor. O magistrado não apenas defendeu o culpado, mas também direcionou sua revolta contra o trabalho da imprensa, que, segundo ele, havia 'devassado' a vida dos réus.
No transcorrer da sentença, o juiz utilizou um tom quase irônico para transmitir sua indignação em relação à suposta perseguição midiática aos réus. O deputado Sergio Naya, dono da construtora do prédio que desabou, foi tratado com uma reverência que chocou a todos, enquanto a cobertura do "Jornal Nacional" foi rotulada como 'desleal'. Ao final, o juiz justificou sua decisão, afirmando que trocava o sucesso das manchetes pela aprovação de sua própria consciência. Essa sentença não deveria ser apenas uma história isolada, mas sim, um espelho da realidade do Brasil onde a justiça se inclina muitas vezes em favor dos poderosos.
Avançando para um novo episódio de impunidade, 24 anos depois da tragédia do Palace 2, enfrentamos outra catástrofe que terminou com a vida de 10 jovens no Ninho do Urubu, centro de treinamento do Flamengo, em fevereiro de 2019. Naquela noite fatídica, 26 atletas jovens estavam dormindo em contêineres quando um incêndio devastador comprometeu suas vidas. Apesar de múltiplos alertas sobre a precariedade das condições do local, a justiça, em primeira instância, inocentou os sete acusados, fragmentando ainda mais a esperança de justiça.
Ambos os casos ressaltam um fio condutor: a impunidade persistente entre os poderosos no Brasil. O luto e a dor das famílias afetadas são intensificados pela percepção de que, mais uma vez, ninguém pagaria por erros e negligências que deveriam ter sido responsabilizados. A solução para tais tragédias não se encontra em acordos ou penalizações tardias; o dano irreparável causado vai muito além do que a justiça pode remediar.
Em meio a essa realidade, exemplos edificantes surgem, como o de Benedito Ferreira, o segurança que arriscou sua vida para salvar quatro jovens durante o incêndio. Sua atitude foi um raio de esperança em meio à escuridão de irresponsabilidades. Infelizmente, mesmo ele enfrentou consequências severas em sua vida profissional, sendo demitido após a tragédia. A nota oficial da diretoria que justificou sua demissão soou como uma desumanização que se abateu sobre aqueles que, em situações extremas, demonstraram coragem e humanidade acima das adversidades.
Além disso, a memória dos jovens que perderam suas vidas e o clamor por justiça continuam a ressoar, como se pode ver no apoio constante de torcedores e na resistência da cobertura midiática que se recusa a deixar esses casos no esquecimento. A presença contínua do tema nos estádios e a dedicação de personagens como Filipe Luís mostram que a lembrança e a luta por justiça são fundamentais para evitar que tragédias semelhantes se repitam. A união entre os torcedores e a busca por honrar a memória dos afetados demonstram que, mesmo em meio a tanta tragédia, ainda há espaço para dignidade e esperança em um futuro mais justo.




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