'O Globo' de 2 de junho de 1983, véspera de Fla x Bolívar, noticia a venda de Zico (Foto: Acervo O Globo)
Se o jogo entre Flamengo e Bolívar desta quarta-feira é recheado de expectativa por parte dos rubro-negros, o último embate entre os clubes, realizado em 3 de junho de 1983, foi para lá de esvaziado.
O Fla já estava eliminado daquela Libertadores e jogava apenas para cumprir tabela. Motivo relevante mesmo era o seguinte: um dia antes do duelo, o jornal "O Globo" estampou em sua capa a venda de Zico ao Udinese, da Itália. Na edição do dia 3, em sua primeira página, a mesma publicação não deu nenhum destaque para Fla x Bolívar e priorizou imagens que revelavam a bronca dos rubro-negros com a transferência. O Galinho ainda não confirmava o fim de sua primeira passagem pela Gávea.
Resultado: apenas 1.629 pagaram para assistir à goleada por 5 a 2 do Flamengo. Júlio César Barbosa, Adílio, Robertinho, Elder e Baltazar marcaram para o Fla. Detalhe: cinco dias antes, 155.253 torcedores registraram o maior público pagante da história do Campeonato Brasileiro e testemunharam a maiúscula vitória por 3 a 0 sobre o Santos, que deu ao clube seu terceiro título na competição.
Mais de 30 anos depois, Zico acredita que sua ausência na partida contra o Bolívar não contribuiu para o esvaziamento da mesma. E ele garante: apesar da oferta vantajosa, não queria deixar a Gávea.
- Claro (que não queria sair), porque não tinha motivo nenhum para ser vendido, eu estava muito bem no Flamengo. Não tinha porquê de eu querer sair. Agora, eu tinha de defender meus direitos. Há oportunidades na vida que não se pode perder - disse ao GloboEsporte.com.
No dia 4, um após o jogo, destaque para goleada rubro-negrofoi
mínimo em 'O Globo' (Foto: Acervo O Globo)
No dia 1º de junho, o então presidente rubro-negro Antônio Augusto Dunshee de Abranches disse que faria de tudo pela permanência de Zico, mas transferiu a responsabilidade para o craque. Garantiu ter oferecido o maior salário da América do Sul ao eterno camisa 10 e encerrou o pronunciamento com a seguinte frase:
- Agora só me resta pedir a ajudar de todos, principalmente da torcida. Nunca pensei em entrar para a história como o presidente que vendeu Zico - afirmou, em reportagem publicada por "O Globo" em 2 de junho daquele ano.
Dunshee ficou marcado, sim, como o presidente que vendeu Zico. E o maior de todos da história rubro-negra garante que a proposta rubro-negra não foi nada vantajosa. Vai além: afirma que conseguiu cifras interessantes para permanecer no Flamengo.
- Quem tentou e conseguiu o patrocínio fui eu. Consegui um patrocínio da Adidas que me pagasse o que ia ganhar lá (na Itália). A Adidas iria pagar o valor (da transferência) e o dividiria em 24 meses. O Flamengo veio me dizer que essa proposta da Adidas já fazia parte da oferta que o Flamengo tinha feito (recusada por Zico). Aí eu vi que o Flamengo não queria renovar. Vou dar um exemplo: vamos dizer que o Flamengo me ofereceu 20, e eu consegui 40 com a Adidas. Aí eles disseram que esses 40 já estavam incluídos na proposta que na verdade era de 20. Mas não estavam, queriam mesmo era me vender - esclarece.
Em reportagem concedida ao "Globo" na conturbada semana, o irmão mais velho de Zico dentre os homens, Zeca Antunes, relatou que a mãe deles, Dona Mathilde, chorava muito com a situação. Ainda tratou como falta de respeito o fato de várias pessoas terem solicitado que o pai deles, Seu Antunes, a poucos dias de completar 82 anos, intercedesse de forma contrária à venda do ídolo.
Zico é surpreendido ao chegar da Alemanha com notícia de 'O Globo'. (Foto: Acervo O Globo)
- Eu procurei me afastar nessa época (Zico viajou à Alemanha, onde participou da despedida de Paul Breitner e desembarcou no Brasil um dia após Dunshee de Abranches tornar público que um acerto com a Udinese estava na iminência de acontecer), mas a pressão era muito grande. Fiz tudo que foi possível para permanecer, mas vi que por parte do Dunshee ele não queria nada, a intenção dele não era me manter - relata hoje, aos 61 anos.
Por fim, Zico explica que o Flamengo fez de tudo para vendê-lo, pois, caso não o fizesse, dificilmente lucraria na frente. Vários diretores manifestavam-se favoravelmente à negociação. Eduardo Motta, vice-presidente geral à época, citava que era muito difícil competir com o mercado europeu.
- O problema maior da renovação era o seguinte: se o Flamengo renova comigo, dificilmente teria chance de receber algo na frente. Ao fim desse contrato, eu teria passe livre. Eu tinha 30 anos (em 1983), ao fim de um novo contrato (com o Fla) eu teria 32. Naquela época, para o jogador pegar o passe (ter o passe livre) era preciso ter 32 anos de idade e outros dez de clube. Eles viram a venda (em 83) como a única chance de receber alguma coisa - elucida.
'O Globo' noticia venda em 8 de junho, confirmada pelo Galo no dia seguinte (Foto: Acervo O Globo)
Em 9 de junho de 1983, Zico confirmou que havia aceitado a proposta do Udinese. E se despediu desta forma:
- Quero acabar onde comecei: no Flamengo. Quando terminar meu contrato com a Udinese, voltarei ao Brasil para disputar a Copa do Mundo de 86. Tenho certeza de que o Flamengo terá um lugar guardado para mim. E o tempo vai passar rápido. Cláudio Adão foi e já voltou; Falcão também, e Edinho já cumpriu metade de seu contrato. Quando começarem a sentir falta de mim, estarei voltando - afirmou, em matéria publicada por "O Globo" em 10 de junho de 1983.
Zico cumpriu a promessa: voltou aos braços de torcida rubro-negra, foi campeão duas vezes e pendurou as chuteiras da forma que projetava. Antônio Augusto Dunshee de Abranches entrou para a história como o presidente que vendeu o ídolo.
E o Flamengo x Bolívar do dia 3 de junho de 1983 passou despercebido. Os rubro-negros esperam que o desta quarta-feira, às 22h, no Maracanã, seja diferente.
Adílio herda a 10 de Zico e a veste pela primeira vez em treino, no dia 13. Carlos Alberto Torres, técnico rubro-negro na época, achou por bem dar ao meia a camisa que pertencia ao maior ídolo do Flamengo (Foto: Acervo O Globo)
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