De Cadu a Rafa Marques: a vida difícil dos alvos da ‘vaia que machuca’

25/3/2014 11:23

De Cadu a Rafa Marques: a vida difícil dos alvos da ‘vaia que machuca’

Meia e atacante relatam experiências de perseguição da torcida; volante Jaílton e lateral-direito Paulo César relembram suas passagens por Flamengo e Fluminense

De Cadu a Rafa Marques: a vida difícil dos alvos da ‘vaia que machuca’
Carlos Eduardo diz que cobrança da torcida do Flamengo é diferente de tudo o que já passou na carreira (Foto: André Durão)

Do túnel de acesso ao gramado ouve-se o grito abafado da torcida. A fila de jogadores está formada. As pernas e braços se agitam na ânsia de manter o corpo aquecido. Os nomes são cantados, acompanhados das devidas palmas. Há aquele que basta o número de sua camisa aparecer no telão para causar o alvoroço de alegria: reverências, sílabas coreografadas. Pode ser o paredão, o artilheiro, o ídolo, o que ganhou a simpatia do público. Mas chega o momento daquele outro. Ele não recebe o mesmo tratamento afável, tampouco aplausos. Pelo contrário. Basta sua figura ser mencionada, e o grito alto, grave e impiedoso irrompe nas arquibancadas: “Uuuuuuuh”. Mais uma vez, como já havia ocorrido em tantas outras na temporada, ele respira fundo, tenta não escutar as vaias e recebe palavras de incentivo dos companheiros.

Tudo pronto para o início do jogo. Ele não entende por que a implicância continua. A torcida, por outro lado, não entende por que o técnico o escala. E assim é o ciclo. Ele não tem nome definido e pode ser do Flamengo, do Vasco, do Fluminense, do Botafogo, ou de qualquer outra equipe. Todo time tem o seu jogador perseguido. E a vida dele, diferentemente do que muitos pensam, não é fácil...

Quando chegou ao Flamengo em 2013, com status de principal contratação da temporada, Carlos Eduardo não imaginava que passaria por essa situação. Em sua cabeça, a formação no Grêmio e seis anos na Europa, divididos entre Hoffenheim, da Alemanha, e Rubin Kazan, da Rússia, eram experiências suficientes para suportar diferentes níveis de pressão. Cobrado incessantemente e com rendimento considerado abaixo das expectativas pelos rubro-negros, o meia mudou sua visão.

– Eu nunca passei por isso em toda a minha carreira. Saí do Grêmio com um bom status. Agora, no Flamengo, não é assim. É uma experiência diferente. Eu já vou para o estádio sabendo que, mesmo se eu criar seis ótimas jogadas, e fizer uma ruim, a torcida só vai lembrar da ruim. É difícil um momento desses. Eu perco a confiança algumas vezes. Se a torcida confiasse mais em mim, a minha evolução seria bem melhor – declarou.

A vaia está intimamente ligada à confiança do jogador dentro de campo. Um simples passe se torna complicado. Isso pode não ter a ver com a qualidade do atleta. O coro vira um fardo, mexe com o lado psicológico, machuca. Para lidar com a situação, posicionando-se como uma espécie de mártir incompreendido, ele busca ajuda com profissionais de seu clube e o apoio da família e dos amigos.

Ex-psicólogo do Flamengo e do Vasco, Paulo Ribeiro não consegue dizer com precisão quantos jogadores já o procuraram para pedir ajuda em relação às vaias. Foram muitos. Ele explica que a forma de lidar com as críticas determina o impacto das mesmas no desempenho do atleta dentro de campo.

– Eu explicava para os jogadores que o efeito da vaia depende da leitura que ele teria daquilo. A ideia para amenizar isso é conseguir entender a crítica de forma menos negativa, fazer com que ela se torne algo positivo. Isso depende da maturidade do atleta, das experiências que ele teve na vida. Existem trabalhos de mentalização, fazer com que o jogador relembre momentos importantes da carreira dele, para tirar a sensibilidade negativa dessa situação. É claro que todos sentem as críticas, e é um sentimento ruim. Mas ele tem que reunir forças para encarar – disse.

TUDO É CULPA DO JAÍLTON


Jaílton relembra perseguição "além do normal" da torcida rubro-negra (Foto: O Globo)

O histórico de jogadores vaiados é grande. Se, em 2000, o então lateral-direito Maurinho foi pedido ironicamente na Seleção pela torcida rubro-negra, no dia 1º de abril, Jaílton, seis anos depois, também entrou no “hall dos perseguidos” do Flamengo. Hoje no Rio Branco, da Série A2 do Paulista, o volante relembra que a cobrança no clube carioca era “além do normal” e diz ser um atleta obediente taticamente.

– Eu tive muitos momentos bons no Flamengo, mas existia essa coisa. Não sei se realmente era uma perseguição, mas era uma cobrança além do normal em cima de mim. Eu sou um jogador que visa à obediência tática. Eu fui titular de todos os treinadores que passaram por lá naquela época. Eu era muito questionado, até por parte da imprensa, por esse fato. Talvez eles quisessem colocar a culpa em alguém. Tudo estourava no Jaílton, tudo era culpa do Jaílton. Torcedor é emoção, não quer saber se você está 100% fisicamente, se você passou por uma semana ruim de trabalho. Nós sabemos que é difícil, complicado, mas tentamos superar a cada dia.

Ney Franco foi um dos defensores de Jaílton. Os dois trabalharam juntos no Ipatinga, antes de acertarem com o Flamengo. Atualmente no comando da equipe do Vitória, o técnico diz que o torcedor, muitas vezes, não percebe a importância tática de um determinado jogador para a equipe.

– O caso do Jaílton é muito comum. Em todos os clubes, você pode encontrar isso. O jogador tem uma função tática no time, um posicionamento importante e o torcedor não percebe isso. E você, treinador, sabe que se tirar o cara do time vai desequilibrar a equipe. Ter confiança no futebol é importante para o rendimento. Às vezes, um jogador tem qualidade técnica, mas perde a segurança com as vaias. Por isso, o técnico tem que ter uma posição segura e mantê-lo no time porque ele pode ajudar. Quando o jogador não consegue inverter essa situação, fica impraticável permanecer no clube – explicou Ney Franco.

Normalmente, o jogador perseguido não quer que passem a mão em sua cabeça, nem se fazer de vítima. O que ele deseja é apenas a redenção com a torcida. Um momento de alívio. Foi o que Jaílton achou que havia conseguido, na 19ª rodada do Campeonato Brasileiro de 2008. O Flamengo vinha de uma sequência de sete jogos sem vencer, e o volante marcou o único gol da vitória rubro-negra sobre o Atlético-PR. No momento do gol, emoção e comemoração. Mas, depois, as críticas não cessaram.

– Eu fiz o gol da vitória, de cabeça, e mesmo assim fui questionado. Falaram que eu não quis comemorar com a torcida, mas jamais teve isso. O Ibson veio falar comigo, e eu fiquei por ali mesmo. São diversos episódios. Teve um jogo contra o Internacional que nós estávamos perdendo. Eu fui substituído, e o time virou. Imagina só? Fui muito contestado, podia até sair do clube, a diretoria conversou comigo. Mas alguns companheiros ficaram ao meu lado, como o Léo Moura, o Ronaldo Angelim e o Bruno. A pessoa tem que ter tranquilidade e consciência de que está fazendo o trabalho certo. Eu não me abati naquele momento – relembrou Jaílton.

QUANDO A FASE É RUIM...


Fellipe Bastos é um dos alvos da torcida do Vasco (Foto: Edgard Maciel de Sá)

Quando a fase do clube não ajuda, a situação dos perseguidos piora. Nos últimos dez anos, a maioria dos times do Vasco foi contestada pela torcida, com exceção da equipe campeã da Copa do Brasil de 2011. Dois rebaixamentos para a Série B do Campeonato Brasileiro criaram um ambiente propício para a vaia do torcedor.

– Eu vaio mesmo. Sou corneteiro. Nos últimos anos, os times têm sido terríveis. Há sempre uns três jogadores que não consigo engolir de forma alguma. Eu acho que a vaia é pra forçar a saída do jogador do time, para ele ficar insatisfeito e pedir pra sair. Ou para o técnico tirar. É claro que tem vaia injusta. Eu sempre gostei do Alecsandro, é um cara que ajudou o time, foi campeão, e a torcida chegou a vaiar. O Nilton é outro exemplo – disse o torcedor Bruno Felipe da Fonseca Torres.

Cabeça de torcedor tem várias verdades e teorias sobre o porquê de um jogador ser "o escolhido" para ter como trilha sonora a vaia. Kalvin Benaignon, torcedor do Flamengo, afirma que o termômetro para as críticas e se o atleta está ou não se esforçando dentro de campo.

- Olha, eu tento evitar, mas se torna inevitável quando eu acho que o jogador faz corpo mole, se dedica pouco em campo. Valorizo mais um pereba raçudo do que um estrelinha sem sangue. Eu costumo ser mais tolerante com jogadores muito jovens. A experiência mostra que eles realmente sentem a pressão. E costumam dar certo quando estão perto de sair do clube, infelizmente. Acho que atrapalha e que a torcida as vezes é injusta. Mas é caso a caso - explicou o torcedor.

Na atual temporada, Fellipe Bastos é um dos jogadores mais criticados do Vasco. Campeão pelo clube em 2011, o volante foi emprestado para a Ponte Preta, no ano passado, onde teve boas atuações na disputa da Sul-Americana, e voltou para São Januário no início de 2014. No primeiro jogo após o retorno, ele perdeu um pênalti (veja no vídeo acima), contra o Boavista e os traumas – e as vaias rotineiras – do passado voltaram.

– Acho que há uma implicância comigo, sim. A torcida está no direito dela, mas eu sou mais cobrado do que os outros. Eu tenho o direito de acertar e errar, mas, quando erro, parece que a reação é maior – desabafou Fellipe Bastos após a vitória por 2 a 1 sobre o Volta Redonda, no início de fevereiro.

O técnico Adilson Batista acredita que as vaias não sejam apenas direcionadas ao jogador, mas ao treinador também. Seria uma crítica indireta à escalação. O desafio, segundo ele, é passar tranquilidade para o atleta.

– Não só o jogador, mas treinador também (risos). Tento passar confiança para ele levar isso para o jogo, se concentrar e deixar o lado externo. Procuro mostrar o que ele tem feito de bom, e evitar algumas coisas, até para não chamar essa atenção. É um trabalho que cabe a nós pela experiência que temos. Tenho que colocar para jogar sempre quem seja melhor para o coletivo e esteja indo bem nos treinamentos.


Paulo César durante sua passagem de 2009 pelo Fluminense: lateral sofreu com as críticas na época da Série C
(Foto: Photocamera)


Quem ouviu as vaias da torcida do Fluminense ao elenco no fim da derrota para o Horizonte, na quinta-feira passada, pela estreia da Copa do Brasil, pode imaginar que em 1999, quando a equipe disputava a Série C do Campeonato Brasileiro, a situação era mais grave. Na época, o lateral-direito Paulo César sofreu com as críticas. Atualmente, Bruno passa pelo mesmo problema no Tricolor: é alvo constante de perseguição.
Paulo César relembra de um jogo em que pediu para o técnico Oswaldo de Oliveira substitui-lo por conta das vaias.

– Eles começaram a pegar no meu pé em 1999. Em certos momentos foram justos, em outros não. A vaia machuca. Tinha jogo que eu não conseguia dar um passe de dois metros. Teve uma vez que pedi para o Oswaldo me tirar do jogo. Ele disse que não ia fazer isso. Falou: “confio em você”. Eu acabei jogando por ele e até melhorei na partida. O treinador tem um papel importante nesse sentido. Várias vezes eu chorava. Sempre em casa, nunca no vestiário. Era mais pelo fato de eu não ter rendido o que eu esperava. Eu me decepcionava comigo mesmo – lamentou Paulo César.

Sem clube, em um processo de recuperação de uma lesão no joelho, Paulo César diz que hoje os bons momentos no Fluminense ofuscaram os ruins. Um belo gol marcado por ele na virada por 2 a 1 sobre o Flamengo, no Maracanã, é a melhor lembrança do lateral.

– Aquele foi o gol mais bonito da minha carreira. Foi o último jogo que eu fiz com a camisa do Fluminense no Maracanã, em 2002. Quando as coisas passam, nós lembramos mais das coisas boas do que das coisas ruins.

ENFIM, A REDENÇÃO

Rafael Marques é um exemplo de superação das vaias. Bancado insistentemente por Oswaldo de Oliveira no time do Botafogo, o atacante não teve início confortável no clube. A relação “do ódio ao amor” com a torcida, como ele definiu, serviu de grande aprendizado. Atualmente no Henan Jianye, da China, ele agradece à diretoria alvinegra por ter acreditado em seu trabalho.

– No começo, foi muito difícil. Até porque eu estava substituindo um ídolo, que era o Loco Abreu, e a torcida estava receosa. Era uma bronca pesada comigo. O Oswaldo ficou bastante magoado com a situação, porque ele conhecia a minha qualidade e havia acompanhado meu desempenho no Japão. Ele e a diretoria sabiam que o que acontecia comigo não era o correto. Deixei bem claro que, mesmo com tudo o que estava acontecendo, eu queria permanecer no clube para mostrar o meu valor. Depois, com tranquilidade e dedicação, as coisas começaram a dar certo. Foi uma época de aprendizado. Espero que muitos jogadores que passam por essa situação possam se espelhar em mim, nesse caso. Temos que estar sempre confiantes para poder corresponder no momento certo – disse Rafael.


Rafael Marques: relação "do ódio ao amor" com a torcida alvinegra (Foto: Vitor Silva / SSPress)

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