Um garoto magrinho e de pernas compridas que aliavam velocidade ao drible logo encheu o Flamengo de esperança quando surgiu, em 2009. Não era Zico nem um Neymar, mas diretoria e torcida apostavam. Com passagens por seleção de base, Bruno Paulo virou sensação nos primeiros três jogos que fez no início da recuperação rumo ao título brasileiro. Mas o sonho de brilhar pelos gramados mundo afora parou por aí. O sucesso meteórico e a farta conta bancária levaram à falta de comprometimento e, tão rápido quanto suas jogadas, o então promissor atacante começou a escrever sua própria história no capítulo sobre carreiras desperdiçadas. Aos 24 anos, após sofrer as consequências do excesso de farra, sonha recuperar o tempo perdido no RB Brasil, onde foi um dos destaques da conquista do acesso à elite do Paulistão.
O caminho trilhado segue a regra vista dia após dia com garotos humildes no país. Por pouco esforço, o salário saltou de R$ 2 mil para R$ 35 mil, e Bruno Paulo não sabia o que fazer com tanta grana. E resolveu torrá-la. Influenciado por seus representantes, exigiu mais do clube onde foi criado. Sem acordo para renovar, deixou a Gávea pela porta dos fundos certo de que outro time ofereceria a valorização exigida. Passou por Palmeiras, pelo arquirrival Vasco, Bahia e Atlético-PR até ficar sem emprego. A Traffic investiu em seu futuro, mas não obteve retorno e desistiu. Afinal, o atacante soma apenas nove gols como profissional e até 2013 havia feito menos de 30 partidas no total por causa de lesões e acusações de mau comportamento.
Antes de morar no CT do recém-criado RB Brasil, uma espécie de refúgio para dar a volta por cima, Bruno ainda conseguiu contratos curtos em Santo André e no gaúcho Lajeadense. Foi no Sul que sua vida começou a mudar. Para isso, porém, atingiu o fundo do poço.
Bruno Paulo fez apenas um jogo oficial pelo Vasco, contra o Ceará. E fez gol (Foto: Maurício Val / FOTOCOM.NET )
- Fiquei um tempo sem receber e ninguém acreditava mais em mim. Aí minha mãe me ligou chorando dizendo que não tinha o que comer, implorando para que botar a cabeça no lugar. Aí caiu a ficha, né? Não podia fazer nada por eles naquele momento. E eu sempre fui como o pai de família da casa, porque botava dinheiro. Parei para ver o monte de m... que eu estava fazendo e decidi mudar. Graças a Deus, está dando certo - conta, cheio de esperança.
O papo com Bruno Paulo é franco. Ele não aponta culpados e reconhece que pôs tudo a perder. Até se recorda dos conselhos que recebeu de ex-companheiros e dirigentes, como Rodrigo Caetano, que tentou evitar que sua passagem por São Januário, em 2010, fosse um fracasso.
- O culpado fui eu. Me coloquei nessa situação. Saía várias vezes na semana e ia treinar virado. Não queria ouvir e pensava: quando eu quiser eu jogo. Aí era barrado e desanimava do nada. Não queria fazer força. Acordei para vida finalmente. E não vou mudar nunca mais. Hoje fico feliz com qualquer bom treino, bom jogo ou elogio. Ganho muito menos e não gasto quase nada. Para me tirar da concentração para fazer qualquer coisa é muito difícil - garante.
Bruno paulo (Foto: Divulgação)
No comando do ataque da equipe paulista, participou de 19 jogos em 2014 e, mesmo com a vitória neste sábado, ficou com o vice-campeonato da Série A-2 e ainda busca um título em sua trajetória. Na época do hexacampeonato, acompanhou a festa à distância. E, de olho na final do Campeonato Carioca, neste domingo, no Maracanã, não esconde que a meta é retornar ao Flamengo para dar alegrias à torcida que sempre o tratou com carinho por onde passou.
- O pessoal do Vasco sempre me tratou bem, apostou que eu podia dar certo. Fiz vários amigos, como o Titi, o Carlos Alberto... Mas não tenho porque esconder que sou flamenguista, né? Estou torcendo para ser campeão. Fiquei chateado, mas saí pensando no futuro. Mas hoje não faria de novo. Queria voltar para o Flamengo, foi lá onde me criei. Pegava ônibus sozinho com dez anos lá na favela e ia treinar. Se Deus quiser, vou voltar a jogar lá. Ainda estou novo! - sonha.
A história da ascensão de Bruno Paulo é curiosa. Deitado na cama do hotel em viagem com os juniores na Taça BH, foi chamado à uma sala. Sem saber o motivo, foi mandado para o Rio.
- Eu era moleque levado, então sempre criava um probleminha. Mas ali eu falei: o que eu fiz? Estava ali quieto, po! Achava que era para rescindir o contrato ou que descobriram alguma cagada, sei lá. Quando cheguei, me explicaram que era para ir para o banco no jogo contra o Barueri. Pet, Adriano, todo mundo ali do meu lado. A perna tremia demais (risos) - recorda-se.
Foi justamente na estreia como profissional, no Maracanã, que o atacante criou seu nome. Entrou no segundo tempo e partiu para cima dos zagueiros. O time, que perdia até então, empatou, mas não foi o suficiente para Cuca ser demitido. Em seu lugar entrou Andrade, que colocou Bruno Paulo na vitória sobre o Santos, na Vila Belmiro, com direito a assistência decisiva. Uma partida depois, e ele não vestiria mais camisa rubro-negra.
- Acho que fui bem porque me deram muita moral. Falaram para eu fazer o que estava fazendo nos juniores e que iam me ajudar. Só que aí logo em seguida meu salário passou de R$ 2 mil para R$ 35 mil. Po, tô rico, eu pensei. Sou o cara agora. Isso me deixou assim. Vim da favela, sem instrução e estrutura de nada. É difícil controlar - lamenta.
Mais maduro, ele sabe que o novo salto não será dado com a mesma velocidade que explodiu. Primeiro, planeja ser negociado com um clube que dispute uma divisão nacional para não ficar parado até o início do ano que vem. Aos poucos, quer estar no cenário nacional.
- Aprendi muito nesse tempo. Estou mais tranquilo e sabendo o que fazer. Mas ainda vou para cima dos zagueiros, não tenho medo. Sou aquele mesmo jogador habilidoso. Quem quiser, pode confiar - avisa, pedindo uma chance para provar sua reabilitação.
Quando ficou parado, sem rumo, quem lhe estendeu a mão foi com seu empresário, Pedro Pereira, e o amigo Camacho, que está no Audax São Paulo, e foi formado com ele no Flamengo. Pagaram contas e ofereceram o apoio na virada. Por isso, Bruno Paulo é eternamente grato.
- Camacho é um irmão para mim. Outro dia foi lá ver meu jogo, sempre me deu um moral e me incentivou. Conheço ele desde os dez anos de idade. Daquela geração tem muita gente boa. Ganhamos tudo na base, mas a maioria não deu certo. Tinha o Marcelo Carré, o (Vinicius) Paquetá, o Fabrício, o Erick Flores, o Lucão, o Paulo Sergio... - enumera.
Não seria de bom alvitre que a diretoria do Flamengo reintegrasse esse jogador?