Erazo entra em desespero quando Marcelo de Lima Henrique apita e aponta o pênalti cometido pelo equatoriano em Pedro Ken, no segundo tempo da final do Carioca (Foto: Alexandre Cassiano/Agência O Globo)
Frickson Erazo quase foi protagonista de uma história que terminou com final feliz para o Flamengo. Mas o papel seria o de vilão. Por trás do pênalti que deixou o Vasco perto do título estadual surge uma história de dificuldade de adaptação, isolamento, expulsão na estreia, erros na derrota por 3 a 0 para o Fluminense. E críticas. Muitas.
Anti-herói rubro-negro, o equatoriano chamado de "El Elegante" em seu país viveu momentos difíceis desde que chegou ao clube há três meses. Domingo, no Maracanã, ao derrubar Pedro Ken dentro da área e ouvir o apito de Marcelo de Lima Henrique, o zagueiro decidiu conversar com Deus.
- Depois do pênalti, passou pela minha cabeça: “Deus meu, o que é isso? Que pasa? O que acontece comigo?” Fiquei chateado para caramba, pensei nos meus companheiros, tudo que eles correram e lutaram. Entrei com muita gana para fazer um bom jogo. Antes da jogada do escanteio (que resultou no gol do Flamengo), fechei meus olhos e falei: “Deus, Você me abandonou? Sinto que Você não fica comigo hoje.” O Alecsandro falou para mim: “Você vai fazer o gol. Se não for você, será outro companheiro”.
Wallace subiu para cabecear, eu estava nas costas dele e saiu o gol. Foi muita emoção, um alívio grande, pois eu soube que Deus estava comigo, que podia jogar esse jogo, que poderia ser campeão – desabafou Erazo.
Aos 25 anos, Erazo assinou com o Flamengo por três temporadas e foi apresentado no dia 14 de janeiro, depois de passagens por El Nacional e Barcelona de Guayaquil. O zagueiro, com experiência em Copa Sul-Americana e Libertadores, também ajudou a seleção do Equador a se classificar para a Copa do Mundo do Brasil, e tem presença certa no Mundial.
No dia 2 de fevereiro, Erazo fez sua estreia com a camisa rubro-negra. E começou seu calvário. A vitória foi em ritmo de passeio, com quatro gols de Hernane e o placar de 5 a 2. Mas Erazo foi expulso aos 28 minutos do segundo tempo. Depois, às vésperas do Fla-Flu, o zagueiro teve um choque com Matheus Trindade durante um treino, caiu desacordado e levou 15 pontos na cabeça. Ainda assim, pediu a Jayme de Almeida para jogar. Em campo, o equatoriano teve falhas decisivas em gols da derrota para o Fluminense por 3 a 0.
- Tenho três meses morando no Brasil, e tem acontecido de tudo comigo, tudo. Muitas coisas que as pessoas não sabem, não olham. Tive muita dificuldade de adaptação. Quando cheguei, não sabia nada de falar português. E, para um zagueiro, é muito importante o idioma para conversar com os companheiros de zaga. No jogo com o Fluminense, eu não entendia nada do que falavam para mim. Nada, nada. O que falava o Felipe, o Wallace... Eu falava espanhol e eles também não entendiam. Também tive uma ferida na minha cabeça, levei 15 pontos, um dia antes do jogo. Falei para o Jayme que queria jogar mesmo assim, ele falou que seria muito perigoso. Eu disse: “Preciso jogar, quero mostrar por que o Flamengo me contratou". Falei que assumia as consequências, e o que aconteceu? Perdemos de 3 a 0, e nas três jogadas o Erazo apareceu (risos). E a responsabilidade é minha - afirmou.
O zagueiro passou a ser alvo de críticas, da imprensa e das arquibancadas:
- Foi muito duro. Sou um cara tranquilo, já recebi críticas no meu país, de jogo, algumas coisas que aconteciam na partida...mas nunca tão fortes. Estava sozinho no Brasil, sem minha família para me proteger, difícil mesmo. Torcida sendo dura, mas eu entendia que o Flamengo é assim mesmo. Mas tive personalidade para trabalhar, depois dos treinos fico 20 minutos a mais, se fico concentrado está bom, se não fico também está bom, sigo trabalhando.
Força da família: Erazo com mulher, mãe, filhos e parentes no aconchego do lar (Foto: Arquivo Pessoal )
Do choro à comemoração
Diante do Vasco, Erazo entrou em campo aos 20 minutos do segundo tempo para recompor a zaga depois da expulsão de Chicão. Numa de suas primeiras participações, ele cometeu pênalti em Pedro Ken. Antes mesmo de Douglas fazer o gol, o zagueiro parecia sem rumo. Ele chorou. E, depois de Márcio Araújo marcar o gol do título, o equatoriano fez a festa.
- Muito emocionado, feliz, contente, minha família também. Queria jogar esse jogo, uma final, no Maracanã, com o Vasco, que é o clássico da cidade. Foram muitas emoções - disse.
Erazo, agora, está ao lado da família. Mais tranquilo depois do título carioca, já pensa no Campeonato Brasileiro. E quer mostrar o futebol que o credenciou a defender a seleção do Equador e sua transferência para o Flamengo. Falando na terceira pessoa, ele pede: acreditem em Frickson Erazo.
Erazo abraçado ao filho e com o caçula ainda neném nas costas (Foto: Arquivo Pessoal )
- Estou no apartamento com minha família, minha mulher, irmã, meus filhos já estão estudando. Agora fico feliz mesmo. Tenho muito a mostrar. Ainda não joguei como sempre foi, tenho que retribuir para torcedor, diretoria, meus companheiros que confiam no meu trabalho. Eles sabem que sou trabalhador, humilde, um cara legal. Mas tenho muita coisa para dar. É momento de comemorar, mas já pensar no Brasileiro. Espero ter mais oportunidades de jogar. Peço ao torcedor que acredite que Frickson Erazo ainda pode dar muito - disse o zagueiro.
A conversa com a reportagem aconteceu pelo telefone. Durante 15 minutos, apenas uma vez Erazo pediu que a pergunta fosse repetida por não ter entendido. Três meses depois de sofrer com o idioma, o zagueiro fala bem o português, mesmo que ainda deixe escapar algumas expressões em espanhol, como o "que pasa".
- Muito engraçado como aprendi. Pergunto tudo, mas tudo mesmo que as pessoas falam, e também peço para traduzir no espanhol. Aqui no Rio tem muita gíria, mas aprendi, falo com taxista, segurança, meus companheiros, aprendendo um pouco com cada um. E aprendi muito rápido - admitiu.
Encerrada a entrevista, Erazo emendou de primeira:
- Tamo junto (sic).
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