Da careta ao racismo, lições de Alecgol e promessa de não "roubar" o futebol

9/5/2014 09:03

Da careta ao racismo, lições de Alecgol e promessa de não "roubar" o futebol

Atacante lembra dica do pai, que defendeu o Fluminense, entra na campanha de Tinga e admite ter medo da torcida atualmente no país: "Está confundindo as coisas"

Da careta ao racismo, lições de Alecgol e promessa de não roubar o futebol
A cada pergunta, Alecsandro pensa bem antes de responder. Ele sabe as consequências das palavras de um jogador de futebol que veste a camisa do Flamengo, principalmente antes de um clássico com o Fluminense, como vai acontecer domingo, no Maracanã, pelo Campeonato Brasileiro. O comportamento é de quem se preocupa com o momento que vive o esporte, no extremo dos sentimentos, especialmente do torcedor, com atitudes fora de sintonia, culminando com reações como a banana atirada no gramado na Espanha ou as imitações de macaco em uma arquibancada no Peru.

Alecsandro recebeu a reportagem do GloboEsporte.com no condomínio onde mora na Barra da Tijuca. Na entrevista, mostrou a camisa que havia recebido de Tinga na campanha contra o racismo. O jogador do Cruzeiro foi a vítima no Peru da torcida do Real Garcilaso em jogo pela Taça Libertadores. Esse comportamento do torcedor é o extremo de que fala o atacante, fazendo com que pense as palavras às vésperas do clássico.

Artilheiro do Flamengo no ano, com 14 gols em 22 jogos, Alecsandro vem de dois gols marcados na vitória por 4 a 2 sobre o Palmeiras, quando voltou a fazer a careta na comemoração. Uma homenagem a Lela, seu pai, que consagrou o gesto quando defendia o Coritiba nos anos 1980. Antes disso, ele chegou a jogar pelo Fluminense, em 1982, quando fez nove jogos e um gol.

- O gol escolhe a comemoração - disse Alecsandro, sem fazer promessas ou falar sobre vitória no clássico, afinal o comportamento do torcedor virou motivo para se preocupar e a sentença de quem ama o futebol como atacante e piorar ainda mais a situação caso não seja tomada uma atitude mais drástica.
Seu pai jogou no Fluminense. Ele te contou como foi a experiência?

- A gente conversa só o básico mesmo. Ele comentou que tinha jogado e morado no Rio. Quando cheguei foi mais ou menos o meu guia. Ele jogou na época daquele ataque do Casal 20. Depois, encontrei o Washington lá em Curitiba, já estava com problema (doença degenerativa).

Quando você veio para o Vasco e agora para o Flamengo, ele deu algum conselho sobre o futebol do Rio de Janeiro?

- Foi pouco tempo que passou aqui. Passou a maior parte da carreira em Curitiba. Não teve como falar muito. Também se passaram muitos anos, com outra mentalidade e estrutura. Não teria muito sentido.

- Lela te disse porque passou pouco tempo aqui?

- Acho que não se adaptou, não teve muitas chances. Era jovem, veio de um time pequeno (havia atuado por Noroeste e Inter de Limeira). Em um clube grande, a cobrança é maior e acabou não dando certo. Depois foi campeão brasileiro no Coritiba e se tornou um dos maiores ídolos que clube tem até hoje.

- A careta, comemoração característica do seu pai, voltou domingo. Teve algum motivo especial?

- Foi espontâneo. Já falei que não vou para o jogo com uma comemoração definida. Só aconteceu nos nascimentos dos meus filhos, quando levei uma chupeta e conseguiu fazer os gols. Na hora é que você decide se beija o escudo, vai na torcida, dá um empurrão no companheiro. O gol que escolhe a comemoração. Se é o quinto gol de uma goleada de 5 a 0 não adianta ir na torcida. Não tem sentido. Todo mundo pedia a careta, a torcida já cobrava. Fiz outros gols que mereciam careta, como aquele contra o León, mas não saiu. Era o do empate no momento, mas a gente acabou perdendo o jogo.

Então o gol contra o Palmeiras foi especial?

- Pela situação do time, pela pressão, a careta é mais para extravasar, ela sai em um desabafo. Foi assim que começou com o meu pai. Em um jogo que estava empatado e a torcida xingando muito. Nos outros jogos, perguntavam para ele se teria careta e passaram a associar com uma promessa de gol.

Essa descontração do seu pai se perdeu no futebol. Acha que faz falta ou passou o tempo? Em um Fla-Flu como o de domingo já haveria provocações dos dois lados.

- Acho super válido isso, legal para caramba, mas hoje não se pode mais fazer. Com internet e rede social, o que se fala aqui em cinco minutos está no mundo todo. Antigamente, não tinha isso. Era limitado ao que passava na televisão. Viam uma vez. A potência da palavra era bem menor. Não vejo mal, mas hoje em dia estou com medo do torcedor. Sinceramente, ele está confundindo as coisas. Por qualquer declaração tem gente ameaçando de morte, dizendo que vai pegar. Jogador sente falta dessa brincadeirinha. Dizer que domingo vai ter gol do Alecsandro não teria nada demais, mas tem gente que vai considerar falta de respeito. Por isso, o futebol está cada dia mais chato nesse sentido.

Acha que essa raiva do torcedor extrapola o limite e acaba culminando em atitudes racistas?

- É comprovado que de 10 crianças, sete sonham ser jogador de futebol. Se levar para o estádio, de 10 mil, sete mil queriam ser um Alecsandro, um Mugni, Léo Moura, Felipe, qualquer outro jogador. Muitos desses vão tranquilos. Outros levam como raiva e acaba passando de um limite, de querer bater, ter inveja. Acha que o jogador só tem que jogar bola e pronto, que não é um ser humano e isso vai contribuindo para o preconceito. Por isso, estou na campanha do Tinga, do Daniel Alves, na de quem tiver campanha contra o racismo. O futebol foi criado para dar alegria e você não sabe hoje se volta alegre para casa ou com a notícia de que alguém morreu ou foi ofendido. Daqui a pouco, pode piorar e perder o controle.

Você já foi vítima de racismo?

- Muitas vezes, principalmente fora do Brasil. Em campeonatos sul-americanos, Libertadores, o pessoal fala mesmo. Hoje, seguram muito mais porque tem 40 câmeras vigiando. Dez anos atrás, era racismo total, principalmente dentro de campo. De certa forma, até levo nesse caso por um lado esportivo, ruim, mas esportivo. O cara tenta te desestabilizar de qualquer forma, chamando de macaco, viado, maricón. Se ficasse só no campo, tudo bem. Nós jogadores conseguimos ter essa boa relação. Sou contra, mas antigamente se falava muito mais por brincadeira e não por racismo. Hoje, está tão agressivo que todo mundo se sente ofendido. A atitude do Daniel Alves foi espontânea e poderia ter sido um tapa ainda maior. Se ele para o jogo, descasca a banana direito, come, aplaude a torcida e agradece daria ainda mais repercussão. Mas foi rápido, ele não deu muita bola.

O que acha da campanha #somostodosmacacos?

- É uma forma de se defender, de alguma forma inibir ao máximo. Vão arrumar várias frases e não acho nada absurdo. Eu não falaria essa frase nem a usaria em uma marca minha, mas não sou contra quem está usando. Se é para o bem, para combater um preconceito, vale.
Você jogou nos Emirados Árabes (2008). Como foi essa passagem, dentro e fora de campo?

- O Emirados me surpreendeu. Quando recebi a proposta, estava com minha família, era época de Natal e comecei a olhar para conhecer. Minha esposa ficou preocupada, achando que teria andar de burca o tempo todo, com o que comer. Falei para ela que financeiramente eu teria que ir. Se fosse caso, ficaria me esperando e eu sofreria sozinho. O futebol é dinâmico, tinha um filho ainda. Estudei, mas ninguém começa uma carreira com 36, 37 anos. Precisava de uma condição para parar bem. Falei que iria na frente para ver. Com dois dias, liguei e disse para ela ir. Tinha três mercados gigantes, hotel bom, comida boa, restaurantes, uma cidade maravilhosa. Ruim era que não dava para levar o nosso carro, ou então passaria vergonha. Em um dia, vi 11 Ferraris. Fora de campo, foi totalmente inverso do que eu pensava. Fiquei um ano sem intérprete, aprendi o básico de árabe, mas corri atrás para aprender inglês. Precisava me virar. No lado esportivo, quando cheguei já era um pouco mais profissional. Os sheiks viram que não precisavam só gastar, que poderiam ganhar dinheiro também. No meu time (Al Wahda), tinha sete jogadores da seleção. O camisa 10 era o craque do país. Na Série B do Brasileiro, figuraria fácil entre os 10 primeiros.

Você disse que estudou. Chegou a cursar faculdade?

- Terminei o Segundo Grau. Prestei vestibular quando estava no Cruzeiro. Fiquei na dúvida entre Educação Física e Turismo, pois gosto muito de viajar, conhecer o mundo. Tenho um dinheiro guardado que chamo de meu passaporte, fundo viagem. Quando parar, quero conhecer tudo, fazer duas ou três viagens por ano. O futebol me permitiu conhecer mais de 20 países. Mas fiz para Educação Física, justamente porque não precisava fazer Turismo para viajar, mas teria que fazer algo para trabalhar depois. Pensei que posso viver do futebol, mas não cursei e agora fica difícil.

Esse seu gosto por viajar também é levado para os livros, filmes...

- A concentração nos força a fazer muita coisa que não queremos, como ver novela, filme. Não é um hábito nosso. Não tenho esse hábito de ler. Mas às vezes ficamos mais de 48 horas concentrados para um jogo.

Seu pai deu dicas para você dentro de campo?
- Olhando hoje entendo o meu pai. Na época dele, foi um grande jogador. Estaria em um time grande hoje como um dos melhores do Campeonato Brasileiro facilmente. Ele se preocupou muito em não forçar uma situação para que a gente não recebesse a cobrança para ser o Lela . O Richarlyson só foi jogador porque eu forcei. Meu pai nunca chegou para mim dizendo como deveria chutar, ele foi dando dicas de como era o futebol. Quando eu já estava na base do Vitória, subindo para o profissional, percebeu que ele era o Lela e eu já era o Alecsandro. Só teve uma coisa que falou: "Jogador tem que cabecear de olho aberto. Tem que ver o gol, bonito é ver o gol". Falava para ele que depois eu veria na televisão, mas ele disse que a margem de erro é grande quando você fecha o olho. Deu certo, hoje faço muito gol de cabeça, muitas vezes fechando o olho, mas faço. Foi bem bacana a atitude do meu pai com relação ao futebol, uma pessoa importante, pois deu as dicas que precisei na hora.

Dá para falar alguma coisa diferente sobre o jogo com o Fluminense, fazer alguma provocação?

- Não tem como falar. Não tem nem como brincar. Já não sou polêmico, falo pouco, observando bem o que vou dizer. Mesmo assim, às vezes tem uma pegadinha. Vai acontecer o que infelizmente aconteceu há muito tempo, de jogadores falarem a mesma coisa. Se for falar algo do jogo, vou dizer que o Fluminense é uma grande equipe, com o centroavante da seleção brasileira, mas que a gente é o Flamengo e tem que jogar para ganhar. Você pergunta: "Promete gol?". Eu respondo: "Tomara, mas se não fizer, tem que ganhar". Uma frase em dois minutos está no mundo todo e aí sou abordado na rua. O torcedor está estranho.

- Como é ser dono de um restaurante?
Ainda não vesti a camisa. Eu jogo futebol, não sou dono de restaurante. Me considero um investidor, como seria com um imóvel, terreno, carro, loja. O que faço de bom é jogar futebol. Quando parar, vou pensar o que quero ser. Agora, vou uma vez ou outra lá, procuro saber algumas coisas, mas muito pouco para o trabalho que dá. Ainda tenho alguns nove anos de carreira.

- Então vai jogar até os 40?

Não vou roubar o futebol. O futebol não merece ladrão. Enquanto tiver condição de ser útil, fazendo gol em Campeonato Brasileiro, que é um dos mais difíceis do mundo, vou jogar. Tenho uma média nesses 15 anos, não sei exatamente quanto, e não fujo dela. Se eu achar que ano que vem consigo manter, continuo. Quando começarem a achar que está bom pela idade que tenho, paro. Quero jogar no meu nível, não no de um jogador parando de jogar.

- A sua relação com seu filho mais velho (Yan, de oito anos) é a mesma? Ele leva jeito para o futebol?

É muito difícil para o meu filho (Alecsandro ainda é pai de Nicolas, de um ano). Ele tem dois tios (Richarlyson e Deco, cunhado de Alecsandro), o avô e o pai jogadores de futebol. A cobrança já é grande dele para ele. Ele joga bem e ponto. Nem é ruim, nem craque. Em 10 anos, pode ser o craque ou bom só na pelada. Futebol é dom, vem do sangue e acredito nisso. Não é bobo, tem coordenação, sabe bater na bola. Uma vez no treino de futsal, colocaram ele na ala direita. Ele ficou puxando o técnico, falou alguma coisa. Teve um intervalo, o técnico veio falar comigo e disse que ele havia dito que queria fazer gol e onde estava jogando não dava. Foi para frente e o time dele ganhou de 2 a 0 com dois gols dele. Agora, está em um campeonato de futebol de 7 da escola, na semifinal. Joga na banheira. Não quero ser pai de alambrado, mas dou uns toques. Já falei para ajudar um pouco mais, dar uma moral, mas quando a bola cai no pé dele faz mesmo. Se ele quiser ser jogador, vou achar legal, mas se me disse que não quer, tudo bem. Vou dar apoio para fazer o que goste.

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