10/5/2014 12:43
Marcelo Barreto relata conversa com Jayme e Cristóvão antes do Fla-Flu
Clássico marca primeiro confronto entre técnicos negros em ambas as equipes. Entrevista aconteceu no MAR (Museu de Arte do Rio de Janeiro)
Jayme e Cristóvão batem papo com Barreto antes do Fla-Flu (Foto: Reprodução SporTV)
O apresentador Marcelo Barreto viveu um momento que entrou para a história da sua carreira de jornalista esportivo. No Museu de Arte do Rio de Janeiro, Barreto teve uma proveitosa conversa com os técnicos Cristóvão Borges, do Fluminense, e Jayme de Almeida, do Flamengo. Ambos se enfrentam neste domingo, às 16h, no Maracanã. A partida marca o primeiro Fla-Flu em que ambas as equipes serão comandadas por técnicos negros. E em tempos de inúmeros episódios lamentáveis de racismo, é claro que o tema foi um dos principais no bate-papo, que também foi regado de histórias do futebol.
"Eu gosto de conversar sobre futebol. Mas gosto muito mais quando a conversa parte do futebol e vai passear pela vida da gente. Pelo mundo. Pelo que nos cerca, pelo que nos afeta. Tem gente que olha para o futebol e só vê futebol. Mas tem gente que consegue olhar em volta. Eu prefiro falar de futebol com essa outra turma. E sempre achei que Jayme de Almeida e Cristóvão Borges faziam parte dela. Acertei.
A ideia dessa entrevista surgiu de uma conversa na redação. O produtor Fred Soares foi quem levantou a informação: o Fla-Flu de domingo será o primeiro da história já mais do que centenária do clássico com dois negros como técnicos dos times. Mesmo sabendo que os cargos de comando no futebol brasileiro ainda são território dos brancos, fomos checar. Pesquisamos na internet, ligamos para nosso amigo Roberto Assaf, estudioso do futebol carioca. Num país miscigenado como o Brasil, sempre resta uma pontinha de dúvida. A final de 95 tinha Joel Santana e Vanderlei Luxemburgo, que em países com menos nuances raciais poderiam cair na classificação genérica de negros. Aqui, onde os brancos já são minoria, o censo aponta 7,61% de negros e 47,73% de pardos. Era preciso que Jayme e Cristóvão se identificassem como negros – o que fizeram com orgulho e alegria, ambos chamando o clássico de domingo de momento histórico.
Entrevista marcada, o primeiro desafio foi chegar ao MAR, o Museu de Arte do Rio de Janeiro, na zona portuária da cidade. Escolhemos a locação pela beleza do prédio e pela importância da região na trajetória dos negros no Rio de Janeiro. Ali ficavam o Cais do Valongo (que ocupava uma área que vai da Rua Barão de Tefé até a Cidade do Samba), onde desembarcavam os escravos vindos da África; e o Paço Imperial, onde em 1888 a Princesa Isabel assinou o decreto que extinguia a escravidão no Brasil (um evento histórico que completa 126 anos na terça-feira seguinte ao Fla-Flu). Hoje, toda a área do porto é um canteiro de obras, o centro nervoso do ousado projeto urbanístico do prefeito Eduardo Paes. O que já estava confuso ficou ainda mais com uma greve de ônibus. Mas, cada um a seu tempo, todos conseguimos chegar.
O primeiro foi Cristóvão. Quando passei pelo portão do museu, ele já estava tirando fotos com torcedores tricolores. Um deles, claro, quis saber:
– Vamos ganhar do Flamengo no domingo, né?
– Vamos lá para isso – respondeu a voz grave e mansa do treinador, em meio a um sorriso contido.
Na espera por Jayme – que teve mais problemas para enfrentar o trânsito desde a Barra da Tijuca –, em nenhum momento ele fez questão de procurar um lugar mais reservado. Da portaria, foi para o café do primeiro piso, onde continuou totalmente disponível ao assédio dos torcedores. Deixei-o lá e subi para o quinto andar, onde nossa equipe preparava o cenário da entrevista. Mal tínhamos acabado os testes de áudio e vídeo quando a porta do elevador se abriu e dela saiu um senhor grisalho, alto e elegante. Vestia uma camiseta azul clara... com o famoso desenho de um prisma que ilustra a capa do disco “Dark side of the moon”, do Pink Floyd! Para quem se acostumou com a imagem dos professores de terno e gravata, era difícil acreditar que ali estava o técnico do time de futebol mais popular do Brasil.
– Será que conseguimos terminar a tempo de eu voltar para disputar a pelada do condomínio? Hoje é dia – era a única preocupação de Jayme de Almeida.
A troca de amenidades costumeira durante a instalação dos microfones confirmou as primeiras impressões: ali estavam dois caras legais. Começamos a entrevista indo direto ao tema racial, com a ajuda de trechos do livro “O negro no futebol brasileiro”, escrito por Mario Filho em 1947. Jayme e Cristóvão se surpreenderam ao saber que são os dois únicos técnicos negros entre os 40 das séries A e B do Campeonato Brasileiro, mas responderam a todas as perguntas com grande personalidade. Refletiram sobre o papel do negro na sociedade brasileira. E quase sem perceber, acabamos falando de futebol.
Os treinadores do Fla-Flu contaram histórias, lembraram os tempos de Maracanã lotado como jogadores, falaram da expectativa para a Copa. Tudo com a naturalidade que parece ser a marca registrada de ambos – mesmo nos momentos nem sempre descontraídos das entrevistas coletivas depois de treinos e jogos. Mais do que uma entrevista, foi uma conversa.
Uma conversa sobre futebol – mas que saiu dele e foi passear pela zona portuária da história da escravidão, pelo Rio do Fla-Flu, pelo Brasil onde o negro ainda precisa lutar por seu espaço na sociedade, pelo mundo onde ainda se atiram bananas a jogadores. É assim que eu gosto de conversar sobre futebol. Espero que você também". Marcelo Barreto.
Jayme e Cristóvão falam sobre primeiro Fla-Flu com técnicos negros (Foto: Reprodução SporTV)
2344 visitas - Fonte: Globoesporte.com
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