Antônio defendeu as cores da Seleção nas categorias de base (Foto: Arquivo Pessoal
Na sala, a única lembrança aparente do futebol é uma bola, que repousa na segunda prateleira da estante. Ao lado dela, livros didáticos de espessuras variadas tomam conta do móvel e não deixam dúvidas: o esporte foi chutado para escanteio, enquanto a vida acadêmica assumiu o protagonismo da história. Uma casa com poucos itens ligados ao futebol é comum, mas não quando é a moradia de um ex-jogador, que teve uma vida dedicada ao esporte durante anos, mesmo que ele tenha trocado os gramados pela sala de aula; o técnico, pelo professor; e o estádio, por uma empresa. Mas e quando isso acontece não depois de pendurar as chuteiras, mas quando ainda havia um longo – e promissor – caminho pela frente?
Ex-volante do time principal do Flamengo e da seleção brasileira sub-20, Antônio Carlos Rodrigues Júnior começou no futebol de salão. Dos 12 aos 21 anos, defendeu o Flamengo, onde cumpriu todas as etapas na base até ser promovido aos profissionais em 2010, após uma passagem pelo CFZ . E quando parecia que daria – naturalmente – continuidade à carreira, decidiu largar o futebol, no ano seguinte, após empréstimo ao Duque de Caxias (RJ). Hoje, a então joia rubro-negra é aluno do quarto período de Engenharia de Produção na Universidade Federal Fluminense (UFF).
– No Caxias pude ter tranquilidade e equilíbrio para pensar na minha carreira e na vida. Cheguei à Seleção, tive lesão e fui emprestado ao CFZ. Retornei ao profissional do Flamengo e vivi o entusiasmo de ser titular. No Caxias, estava numa situação intermediária, aí pude avaliar minha carreira e fazer projeções concretas para ver o que eu queria. Não foi o fato de jogar no Caxias que me desestimulou. Isso facilitou a minha decisão, por estar numa situação equilibrada: nem no entusiasmo do Fla, nem em um clube da Segunda Divisão do Rio, como o CFZ. Não teve dia D, nem nada. Fui amadurecendo a ideia, não foi depois de um jogo ou de uma lesão que decidi mudar radicalmente de vida – explica o ex-atleta, de 25 anos.
Aos 16 anos, Antônio se destacava na base do Flamengo e na Seleção. A boa fase na carreira profissional, segundo ele, mascarou sua vontade e dificultou que ele enxergasse o que desejava para a própria vida. Quando o fez, no entanto, notou que o futebol não atendia às suas expectativas.
– É uma questão de perfil. As pessoas pensam diferente. Eu tinha valores e desejos que no futebol seriam mais difíceis de alcançar. Gosto de amizades, vínculos duradouros, e no futebol cada hora você está em um lugar. Eu vi que estava perdendo isso, estava com poucos amigos na época. Foi algo que fez diferença. Fora isso, toda a bagagem cultural que minha família me deu, o meio onde convivi durante a minha infância, começou a pesar. No futebol, isso não é valorizado. Pegar um livro no ônibus indo para o estádio é visto com estranheza ou mesmo como algo errado. Isso me fazia mal, porque gosto. Sou um cara curioso e comecei a ver incompatibilidades entre a minha personalidade e o mundo do futebol. Foi por isso que revi e tomei a decisão de partir para outra área.
Abandonar o futebol, é claro, não foi das decisões mais simples. Amigos e o pai, seu grande incentivador, demoraram a compreender a posição de Antônio. Afinal, após mais de uma década, ele estava prestes a abrir mão da profissão justamente quando, enfim, havia alcançado um patamar tão sonhado.
– Atingi um estágio avançado na carreira, tenho consciência disso, porque apliquei muito esforço para estar ali. Muitas pessoas não entendiam por que eu estava tomando aquela decisão. Em alguns casos, até criticavam. Meus pais tinham receio por não saberem se eu estava tomando essa atitude por insegurança ou por vontade própria. Com o meu pai, precisei de uns quatro jantares para explicar melhor a situação. Meus amigos falavam: "Antônio, você tem futuro. Não larga, não". A coisa ficou clara quando me viram estudando todos os dias e fazendo vestibular depois de cinco anos.
Nas categorias de base, Antônio teve a missão de marcar Alex Teixeira, hoje no Shakhtar Donetsk (Foto: Arquivo Pessoal)
Vida nova
Antônio estudou de forma regular no colégio onde se formou. Por isso, para voltar às salas de aula, precisava se matricular num curso pré-vestibular para recomeçar sua rotina de estudante.
– Foi uma readaptação até branda, apesar de ser uma coisa totalmente diferente da que vinha fazendo – lembra Antônio, que, depois de um ano de aulas no cursinho, foi aprovado no curso de Engenharia, na UFF. O objetivo de estudar numa universidade pública havia sido atingido. – Comparar a um título acho difícil. Mas foi uma conquista, com certeza, uma afirmação de que tinha mudado de maneira bem determinada. Foi uma alegria, um orgulho muito grande.
O futebol, ainda que não tenha uma relação íntima com cálculos matemáticos e vetores da Física, ajudou Antônio. Ele tirou de letra e afastou o nervosismo na hora da prova.
– Estava adaptado a situações de maior pressão, de mais necessidade de controle emocional. Quando vi que minha função era mostrar meu conhecimento e ficar calmo na hora do exame, isso me ajudou. Já havia passado por situações mais difíceis. O futebol, sem dúvidas, me ajudou a passar no vestibular – conta o ex-jogador, que está trabalhando na empresa júnior da própria universidade.
Bola de futebol e livros: esporte não foi esquecido, mas virou apenas diversão com os amigos (Foto: Pedro Veríssimo)
No time profissional do Flamengo, Antônio fez apenas uma partida: contra o Corinthians, pelo Campeonato Brasileiro de 2010. Jogou ao lado de Léo Moura e Kléberson. O time paulista tinha Roberto Carlos e Elias. Hoje, longe do glamour, Antônio faz parte da equipe das engenharias da UFF e possui um adversário bem mais modesto.
– É legal. Viajamos, ficamos hospedados em acampamentos... É uma situação diferente, que lembra minha época no futebol, até pela competitividade. Meu maior rival agora é a UFRJ – brinca ele.
Nas peladas da faculdade, Antônio, como não poderia deixar de ser, chamou a atenção dos companheiros de sala de aula. E foi até reconhecido por alguns torcedores mais atentos.
– Quando tivemos a primeira pelada na faculdade, me destaquei, modéstia à parte (risos). Me perguntaram se eu havia jogado profissionalmente... Falei que tinha sido do Flamengo, e em alguns momentos houve o reconhecimento. Em seguida, vinha logo a pergunta: "O que você está fazendo aqui?" Eu falava: "Agora sou estudante, sou seu amigo, normal (risos)." Mas nada de mais. Foi bem tranquilo, até porque não tive projeção de mídia tão significativa.
Conselhos de Zico
Ex-volante enfrentou o Corinthians em seu único jogo nos profissionais (Foto: Arquivo Pessoal)
Campeão Carioca pelos juniores, em 2007, Antônio carrega consigo lembranças que jamais irão se apagar. Dentre elas estão, por exemplo, os elogios de Zico, maior nome da história do clube rubro-negro. A relação, que se estendeu no Flamengo, ficou mais estreita no período em que Antônio esteve no CFZ.
– O Zico sempre foi gentil comigo. A opinião dele sempre foi positiva em relação ao meu futebol e à minha postura. Ele é sensacional, sempre franco e direto no que pensa e no modo de trabalhar. Em qualquer carreira, não é só talento e inspiração que vão fazer a diferença. Esse é um dos aprendizados que eu levo.
Do futebol, ficaram as amizades, as viagens e a experiência de quem frequentou mais os gramados do que as arquibancadas. Arrependimentos, porém, não existem.
– Não tenho saudade, embora veja com bons olhos o período que joguei bola. Valorizo muito isso. Não me arrependo. Estou muito feliz, consegui o que queria. Tenho uma vida social sólida e mais tempo para ficar com a minha família. Olhando para o passado, vejo que tomei uma decisão acertada.
Antigo treinador lamenta "perda"
Uma das referências de Antônio no mundo da bola, Rogério Lourenço soube por outras pessoas que seu antigo pupilo havia deixado o futebol. O técnico, que o acompanhou desde o princípio, ainda no juvenil, apostara no sucesso do jovem a longo prazo.
Antônio tenta driblar o atacante Alan Kardec,
à época no Vasco (Foto: Arquivo Pessoal)
– Fica chateado, via um potencial muito grande nele. O Antônio tinha tudo para ser um grande jogador. Era um volante com qualidade, tinha saída de bola, visão de jogo, além do porte físico. É uma coisa rara ver volantes com essas características. Poderia vir a ser um dos grandes do futebol brasileiro, com totais condições de jogar numa grande equipe e construir uma carreira vitoriosa - disse Rogério, que em 2009 foi o treinador da seleção brasileira sub-20, vice-campeã do Mundial, torneio do qual Antônio ficou fora devido a uma grave lesão no pé.
– Ele tinha grandes chances, era bem provável que fosse convocado. E poderia estar por aí despontando, como outros daquela Seleção, o Tolói, o Ganso, o Douglas... – ressalta o ex-técnico da ex-joia rubro-negra.
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