Entre 2005 e 2006, El Tigre Ramirez disputou 32 jogos e anotou 11 gols pelo Flamengo (Foto: O Globo)

No reino animal de Curuguaty, no Paraguai, quem manda é o Tigre. Entre bois, cavalos e cachorros, o ex-atacante El Tigre Ramirez virou fazendeiro desde que deixou os campos de futebol em 2010 e encontrou seu habitat justamente no local onde nasceu. Lá, em meio à calmaria de um pequeno sítio, o único rugido é para comemorar gols nos jogos pela televisão. Sejam eles do Cerro Porteño, seu clube do coração e onde encerrou a carreira, ou do Flamengo, time que passou a admirar e acompanhar depois de uma breve e marcante passagem, entre 2005 e 2006.

Foi apenas uma temporada, mas o suficiente para se tornar peça chave na luta contra a degola no Campeonato Brasileiro de 2005. Desconhecido no país até então, El Tigre foi contratado já no segundo turno como esperança de gols de um Flamengo que figurava na zona de rebaixamento. Anotou cinco em 11 jogos. Alguns de vital importância, como o da vitória por 1 a 0 sobre o Palmeiras no Parque Antárctica. Ao todo, foram 32 partidas pelo clube e 11 bolas na rede. Atualmente, ainda com um português afiado, diz ter virado um torcedor à distância.

Sofreu com o time brigando na parte de baixo da tabela nos últimos dois anos e espera que, a partir de 2015, uma década depois de se tornar herói, o Rubro-Negro não precise mais de um salvador da pátria.

- Tomara que não. O Flamengo é um clube muito grande, tem que estar brigando todo ano na parte de cima, e não na de baixo.
Vim num momento muito complicado, e graças a Deus colaborei um pouco para fugir do rebaixamento - recordou o paraguaio, de 37 anos, que tem como momentos marcantes de sua passagem, além do triunfo sobre o Palmeiras, os gols diante do Vasco, em São Januário, e do Fluminense, no Maracanã.



Por falar em Maracanã, El Tigre vai reencontrar neste sábado um estádio de cara nova - a última vez que pisou no local foi em 2009, quando enfrentou o Fluminense com o Cerro Porteño, pela Copa Sul-Americana. De volta ao Rio de Janeiro para participar do Jogo das Estrelas, evento beneficente organizado por Zico, o ex-jogador também tem um reencontro marcado com as torcidas rubro-negra e rivais. Até sexta-feira, aproximadamente 40 mil ingressos já haviam sido vendidos, e os setores Leste e Oeste já estavam esgotados. Ansioso, ele admite ter dúvidas de que será reconhecido depois de tanto tempo.

- Não sei, cara. Já se passou muito tempo, passaram também muitos jogadores por aqui, muitos craques... Então não sei o que vou encontrar. Mas estou contente por ter vindo, é um prazer poder jogar com o Zico, que para mim foi um dos melhores do Brasil. Dá um arrepio voltar nesse estádio maravilhoso que é o Maracanã, onde tenho bonitas lembranças.


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El Tigre durante amistoso pelo Paraguai em 2006: atacante acabou fora da Copa (Foto: Getty Images)

Após terminar 2005 como herói, o Flamengo renovou contrato com El Tigre Ramirez por três anos. Mas ele ficou no clube só mais alguns meses. A boa fase não se repetiu na temporada seguinte, segundo o ex-atacante, porque ficou abalado emocionalmente. Primeiro, por ter contraído dengue na pré-temporada, e segundo, devido ao corte da seleção paraguaia. Após ter participado de amistosos e da campanha nas eliminatórias, ficou fora da Copa do Mundo de 2006, na Alemanha.

- Fiz parte das eliminatórias, estava com muita vontade de jogar essa Copa porque estava vivendo um grande momento em um grande clube como o Flamengo. Isso me machucou bastante e foi um efeito colateral para minha saída. Lembro que quase fiquei sem vontade de jogar e tive muita complicação. Ainda tive uma dengue hemorrágica. Fiquei quase 25 dias no hospital e isso me atrapalhou bastante porque perdi sete quilos. Para um jogador profissional não é fácil - lembrou o paraguaio, que mostrou mágoa com o ex-técnico da seleção Aníbal Ruiz.

- Eu joguei a Copa de 1998, em 2002 estava em grande fase no Cerro, mas tinha brigado com o presidente da federação paraguaia, e em 2006 foi por escolha do treinador.
E em meio à depressão de El Tigre, um episódio com direito a cheque sem fundo estremeceu de vez a relação entre jogador e diretoria do Flamengo - que passava por dificuldade financeira e estava com os salários atrasados com o elenco. Quando o ex-atacante tentou depositar o dinheiro e levou o caso à tona, o clube emitiu uma nota oficial explicando que o Rubro-Negro assumiu uma dívida do Cerro Porteño com o então jogador e deu no início do ano um cheque para o atleta referente a 25% do valor total de seus direitos, cerca de R$ 1,1 milhão. Segundo o departamento de futebol, ele fez o depósito sem a autorização da direção.


Torcida do Flamengo e o bandeirão feito em homenagem a El Tigre Ramirez (Foto: Reprodução)

Ao relembrar a história, o paraguaio levou na esportiva e até se divertiu. Porém, também demonstrou arrependimento. Garantiu que a situação financeira não pesou para sua saída, mas que gostaria de ter ficado mais tempo no clube e na cidade pela qual é fascinado.

- Foi (risos), mas já passou. O Kleber Leite (então vice-presidente de futebol) não gostava muito de mim, não me tratava bem. E eu, como uma forma de vingança, apresentei o cheque. Eu errei, deveria ter aguardado que eles me pagassem. Achei que fazer aquilo era o mais conveniente naquele momento, mas pensando bem acho que fui muito imaturo. Estava muito contente aqui no Flamengo, morando nessa cidade maravilhosa. Sempre digo que passei o melhor momento da minha vida aqui, pelo que representa o Flamengo e pelo que é o Rio de Janeiro. Nunca me importei muito com dinheiro. A minha saída foi só emocional.



El Tigre convive muita com família, mas mora sozinho em sua casa na capital Assunção (Foto: Instagram)

A rotina de El Tigre no Paraguai se divide entre a casa na capital Assunção, onde mora sozinho, e a fazenda em Curuguaty, lugar próximo da divisa com o Mato Grosso do Sul e pega, segundo ele, sinal de TV aberta brasileira - forma com a qual consegue assistir aos jogos do Flamengo. Mas embora o presente esteja afastado dos campos de futebol, o futuro guarda planos de uma reaproximação.

- Tenho um pequena fazenda e estou mexendo com os gados. Uma vida muito tranquila longe do que é o futebol até agora. Mas no futuro eu quero voltar como dirigente do Cerro Porteño. Por enquanto estou contente com o que eu estou fazendo.

A pedido da reportagem, desde já ele fez as vezes de dirigente: aprovou a maior importação de jogadores sul-americanos para o futebol do país (em sua época só três estrangeiros por clube eram permitidos, atualmente são cinco); elogiou o cobiçado Oscar Romero no mercado nacional; e indicou ainda uma revelação do Cerro Porteño para os brasileiros ficarem de olho.

- Para nosso país, ter jogadores aqui, com esse campeonato muito competitivo que é o Brasileiro, é bom. O Óscar (Romero) é ordenado taticamente, o único defeito dele é que é um pouquinho fominha. E tem um jogador de 16 anos (Sergio Díaz) que vem sendo artilheiro e é um cara muito bom - apostou o paraguaio, que elogiou ainda seu único compatriota do atual elenco do Flamengo: Victor Cáceres.

- Jogamos contra muitas vezes, ele no Libertad e eu no Cerro. É o jogador ideal para o Flamengo, de raça, que o torcedor gosta.

Fã de carnaval, El Tigre planeja voltar ao Rio de Janeiro em fevereiro para aproveitar as festividades da cidade, coisa que não conseguiu fazer quando jogador do Flamengo. O paraguaio já esteve no desfile das campeãs de São Paulo há dois anos e agora espera repetir a dose em solo carioca. E quem sabe não conhecer alguém capaz de domar o coração da fera.

- Estou solteiro ainda, à espera da mulher que saiba me suportar (risos). Sou um cara difícil, o que me complicou um pouco ao longo da minha carreira - brincou o paraguaio.