Coadjuvante e vilão, Leonardo ainda sofre com derrota para América-MEX

7/5/2013 16:54

Coadjuvante e vilão, Leonardo ainda sofre com derrota para América-MEX

Substituto de Fábio Luciano na partida de exatos cinco anos atrás, zagueiro define em uma palavra a eliminação do Fla da Libertadores: 'Surrealista'

Coadjuvante e vilão, Leonardo ainda sofre com derrota para América-MEX
Leonardo disputou o último Campeonato Carioca pelo Nova Iguaçu. Depois da tragédia diante do América-MEX, zagueiro atuou apenas mais uma vez com a camisa do Fla e foi afastado (Foto: Janir Junior)


O clima era de extremo otimismo, festa e sensação de que a noite de 7 de maio de 2008 seria inesquecível. E realmente foi. Mas não da maneira como os torcedores do Flamengo imaginavam. Depois de vencer o América do México por 4 a 2 no jogo de ida, o Rubro-Negro podia perder por 2 a 0 no Maracanã que, ainda assim, estaria classificado para as quartas de final da Libertadores. No entanto, o enredo virou tragédia com a derrota por 3 a 0, com dois gols do carrasco Cabañas. Hoje, exatos cinco anos depois, um personagem - que foge à memória de grande parte da torcida - ainda carrega o peso da eliminação e o rótulo de culpado que o afastou do clube logo depois daquela partida. Leonardo foi o único reserva em campo, substituto de Fábio Luciano, capitão que ficou fora por conta de lesão. Até hoje, o zagueiro, que disputou o Carioca deste ano pelo Nova Iguaçu, lembra com riqueza de detalhes da noite em que terminou acuado no carro do goleiro Bruno, entre emboscada e pedradas.

- Eu jogava a Taça Rio, pois o pessoal estava na Libertadores. Até o fatídico dia contra o América do México. Eu sempre falo com meus familiares e amigos: “Se eu pudesse pedir a Deus um dia que voltasse na minha vida para fazer diferente, seria aquele dia, por ser flamenguista e pela forma como foi”. Até hoje fico chateado, mas há coisas que não têm como voltar. A eliminação culminou na minha permanência, meu futuro no Flamengo, a continuidade de contrato. Como entrei num time formado, só eu que entrei...O Fábio Luciano sentiu uma lesão. Nós jogamos no domingo contra o Botafogo, fomos campeões. Fui para o jogo com expectativa, ganhamos por 4 a 2 no México. No Maracanã, festa de despedida do Joel Santana, torcida do Flamengo maravilhosa e acontece tudo aquilo. Uma derrota por 3 a 0, eliminação, e, como você entra, a culpa cai em você. Surrealista, entendeu? Para mim, ficou esquisito - admite Leonardo.

O zagueiro lembra bem do filme sem final feliz. Ao recordar o fatídico dia 7 de maio, embarga a voz, olha ao longe, parece tentar imaginar um desfecho diferente que não causasse tanta dor.

Contratado no início de 2008, Leonardo costumava revezar a condição de reserva com Thiago Salles, que por fazer gols no Carioca ganhava mais oportunidades com Joel Santana. A dupla titular era formada por Ronaldo Angelim e Fábio Luciano. Mas, horas antes da partida contra a equipe mexicana, marcada para as 21h50m, no Maracanã, Leonardo foi avisado - durante a preleção no hotel que serve de concentração, na Barra da Tijuca -, que seria titular ao lado de Angelim:

- Fábio está machucado. Você vai para o jogo, Leonardo - disse Joel Santana.

Até momentos antes do jogo, o treinador acreditou que poderia contar com Fábio Luciano. O próprio zagueiro achava que teria condições, apesar das dores no adutor da coxa direita depois da final do Carioca com o Botafogo, três dias antes. Mas uma decisão do departamento médico achou prudente que o capitão fosse poupado para a fase seguinte da Libertadores, quando o time enfrentaria o Santos. O pensamento deixa explícita a extrema confiança que existia na classificação.

- Estávamos concentrados no hotel, e na preleção o Joel falou: “O Fábio não vai jogar, é você”. Foi tranquilo por tudo que vivi, cinco anos no Palmeiras. Mas o Flamengo é uma religião, um time especial. Se tivesse se classificado, mesmo perdendo, não teria mudado nada. Mas como foi uma eliminação, da forma como foi, e por eu ter entrado no time, só uma peça...- recorda Leonardo.
À época, chegou a ser sugerido que uma aparição do sambista rubro-negro Arlindo Cruz teria terminado em um animado pagode na concentração, versão derrubada por Leonardo:
- Ele esteve lá, mas não tem nada a ver, não teve pagode, isso seria desculpa.

O zagueiro lembra os contratempos antes da partida. O ônibus que levaria a delegação atrasou a saída do hotel na Barra, pegou um trânsito caótico na Linha Amarela, retornou e seguiu para o Maracanã pelo Alto da Boavista. O time chegou em cima da hora no estádio, mal aqueceu e derrapou.

- Foi uma loucura (depois do jogo). Por ser torcedor do Flamengo, por ter realizado um sonho de vestir a camisa, da forma como foi, a eliminação foi traumática. Dormir?! Só dois, três dias depois. Você fica pensando: “O que eu poderia ter feito? Como aquela bola passou? Como a bola pega na barreira, desvia e vai lá no cantinho do Bruno?” Passa um filme na cabeça, mas não tem como voltar atrás, não tem jeito, temos que seguir a vida - declara o substituto de Fábio Luciano.

A vida seguiu, mas com percalços instantâneos. Depois da derrota, Leonardo, ao lado de outros jogadores, esperou mais de duas horas para deixar o vestiário do Maracanã de carona com o goleiro Bruno, que desceu do campo chorando.
- Saímos já de madrugada e, de repente, num viaduto próximo ao Maracanã, apareceram uns 30 torcedores e apedrejaram o carro, complicado - recordou Leonardo.

Os jogadores nada sofreram com as pedradas. Leonardo, porém, sentiu na pele o peso de ser apontado como um dos culpados pela derrota. No jogo seguinte ao do América, ele continuou como titular na vitória por 3 a 1 sobre o Santos, num Maracanã com portões fechados na estreia do Brasileirão. Depois, treinou durante toda semana entre os 11 que enfrentariam o Grêmio, mas foi sacado da partida em Porto Alegre.
Na sua cabeça, era a consequência do trauma recente, quase um carimbo de culpado.

- Eu senti isso. O Bruno, Juan, Léo Moura, Angelim, Souza, todos eram titulares absolutos, todo mundo. E eu que cheguei para compor. No jogo seguinte ao do América, eu fui titular contra o Santos, ganhamos, aí treinei como titular a semana toda para enfrentar o Grêmio. Cheguei lá e os caras falaram: “O Toró que vai voltar, não sei o quê”. E nunca mais. Tenho isso na minha cabeça: ficou um resíduo muito grande da eliminação para que eu não tivesse continuidade e mais oportunidades de seguir no Flamengo.

Leonardo fez apenas seis jogos: quatro entre os reservas que disputavam o Carioca, a partida diante do América do México e apenas mais uma após a eliminação. Ele cumpriu seu contrato até o fim do ano, mas treinou em separado e não foi mais relacionado.
Depois do Fla, guerra civil na Síria e Nova Iguaçu
Hoje, Leonardo está com 36 anos e disputou o Campeonato Carioca pelo Nova Iguaçu. Ao trocar o filme do drama da eliminação para o América pelo roteiro da sua vida como jogador, ele lembra o começo no Tupi, em Juiz de Fora, sua terra natal.

Depois, ficou duas temporadas no Coritiba, cinco anos no Palmeiras, Goiás, até chegar ao Flamengo, no início de 2008, depois de uma lesão do zagueiro Rodrigo. Teve ainda passagens por Vila Nova, Ipatinga e até no futebol da Síria, no ano passado, quando defendeu o Al-Shorta.

- Não foi fácil. Um amigo meu me levou, estavam precisando de um zagueiro. É o maior clube da Síria, mais organizado, um time do governo que ia disputar a Copa da Ásia. Aceitei o desafio. Morava em Damasco, a língua é dificílima. As coisas foram se complicando, acontecendo coisas próximas, escutei coisas, vi que a situação poderia ficar complicada e acertei minha volta para o Brasil em junho - lembra Leonardo, que passou novamente pelo Tupi antes de acertar com o Nova Iguaçu.
Anos depois, o desabafo: 'Não fui o único culpado pela aquela derrota'

Com uma campanha apagada, o Nova Iguaçu comemorou a permanência na elite do futebol carioca. Leonardo esteve em 22 de abril na sede do clube para acertar sua saída. No mesmo dia, seguiu para Juiz de Fora para matar a saudade dos filhos e da mulher. Este 7 de maio será mais um dia sofrido de terríveis lembranças, não só do jogador Leonardo, mas também do torcedor.

- Foi um sonho jogar no Flamengo. Sou flamenguista, sempre torci, via jogos da época de Zico, Renato Gaúcho, pedia autógrafos, foi uma realização pessoal muito grande. Cheguei, o Joel Santana era o treinador e já tinha um time na cabeça dele, a zaga era formada pelo Fábio Luciano e pelo Ronaldo Angelim, dois amigos meus que estavam jogando muito bem. E você sempre jogar no time reserva é mais complicado, não tem tanto entrosamento e a cobrança quando coloca a camisa do Flamengo, seja titular ou reserva, é a mesma, não tem jeito.



Cinco anos e alguns fios de cabelos brancos depois, Leonardo diz que tirou lições da tragédia testemunhada in loco por 50 mil incrédulos torcedores do Flamengo presentes ao Maracanã na noite de 7 de maio de 2008. E por outros milhões espalhados pelo país.

- De todas as derrotas você tira lição, ainda mais daquela derrota. Não adianta se abater, a única coisa na vida que não tem solução se chama morte. Entramos para fazer o melhor, passar de fase, ser campeão, mas naquela noite não teve como. Tem que levantar a cabeça e seguir a vida. Tenho a consciência tranquila de que não fui o único culpado por aquela derrota.

1737 visitas - Fonte: Globo Esporte


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