Na padaria Volta Grande, a menos de um quilômetro da casa onde Arthur Vinícius de Barros Silva Freitas morava com a mãe, uma tia e uma prima, em Volta Redonda, 20 amigos do jovem apareceram na manhã de sexta-feira para tomar refrigerante antes do almoço, como costumavam fazer quando Arthur estava na cidade. Um deles flagrou a morte do amigo na televisão:
— Foi muito triste. Era um menino alegre, outro dia estava aqui na frente brincando na chuva — diz a caixa da padaria, Andressa Auxiliadora, de 32 anos.
Na manhã deste sábado, a casa da família estava apinhada de familiares, amigos, e jornalistas. O corpo de Arthur, morto no incêndio no CT do Flamengo que levou a óbito outros nove jovens e deixou três feridos, chegou às 14h10 no cemitério Portal da Saudade, onde está sendo velado. O enterro está marcado para às 16 horas.
Quando caixão chegou, lacrado, cerca de quinhentas pessoas, a maioria gente jovem como ele, desabaram em lágrimas. Uma tia dele foi ao chão. Os amigos, e muitas amigas, não se conformaram:
Ele está vivo! Ele está vivo! — lamentavam.
Ninguém parecia compreender que, no dia em que deveria comemorar seu aniversário, Arthur seria enterrado.
Às 18h34 deste sábado, Arthur completaria exatos 15 anos de vida. Sua mãe, a funcionária pública Marília de Barros Silva, de 49 anos, e uma tia, já preparavam mensagens impressas para distribuir como lembrancinha e pensavam como fariam cachorro-quente e hambúrguer para a festa da criançada.
Mas, estranhamente, as coisas não estavam andando. O computador que imprimiria tudo quebrou. Marília sentiu-se travada. E então chegou a notícia terrível por meio da televisão.
Fazia quatro dias que Arthur tinha voltado das férias. Quatro dias em que dormiu no local onde morreu. Passara um mês inteiro grudado com a mãe e com os amigos em Volta Redonda.
A tragédia de agora foi precedida por outras no passado. O pai de Arthur, conhecido como Funeca, foi assassinado em dezembro de 2009 enquanto carregava o filho, então com 5 anos, nos braços. Vingança, disseram os tios do garoto.
A família também vinha enfrentando o luto desde 20 de janeiro, quando um tio de Arthur morreu em um acidente de motocicleta. Estavam sem ânimo para festejar. Mas era o aniversário de Arthur, e isso justificava o esforço para montar uma festa. Um dia antes de morrer, o menino deixou a mãe avisada: a lista de convidados incluía cerca de 60 amigos. Agora, todos choram em conjunto ao lado do caixão e da foto de Arthur, sorridente, vestindo a camisa do Flamengo.
Foi Anderson Freitas Pereira, o Vandinho de 48 anos, que incentivou o sobrinho Arthur a tornar-se um encantado por futebol.
— Fui um dos incentivadores, fui botando uma pilhazinha quando ele era pequeno, mas ele já mostrava talento. O futebol está no DNA da família — conta Andinho, que jogou pelo Voltaço nos anos 80, o time de Volta Redonda.
— É muito duro. Está sendo difícil e ainda vai ser muito difícil. Perdemos um garoto com todo futuro pela frente, estupidamente. É uma dor muito grande mesmo.
Andinho revela um pouco da revolta da família:
— Container não é lugar para alojar atletas jovens. Na parte da base tudo era container. A gente não pensa em indenização, porque dinheiro nenhum vai pagar isso nem trazer ele de volta. Mas foi uma falha humana, isso foi.
Quando Arthur sofria arroubos de solidão e telefonava para a mãe com saudade de casa, Marília buscava consolar o garoto: “No Flamengo você tem boa alimentação, wi-fi e ar-condicionado a noite toda, tudo gratuito”, ela dizia.
Pois, segundo as testemunhas que estavam no local do incêndio, foi justamente no ar condicionado do container que o sonho de Arthur começou a ser interrompido. Na madrugada em que já ansiava pela comemoração do dia em que nasceu, conforme publicou minutos antes do incêndio no Instagram, Arthur se foi. Seu corpo foi encontrado carbonizado. O reconhecimento foi feito pela arcada dentária por um amigo da família.
— Ele dormia com bola desde pequeno. Onde ia estava com uma bola. O futebol era o sonho da vida dele. — conta a psicóloga Ana Carolina da silva, 35 anos, tia de Arthur.
Arthur deu os primeiros chutes a gol na quadra de futsal que fica a 50 metros da casa onde morou, no bairro Volta Grande II. Depois, a mãe o matriculou em uma escola particular. Treinou também no Sesi e foi ao Rio aos nove anos, jogar pelo Fluminense.
Em 2017, olheiros do Atlético Mineiro e do Flamengo disputaram o garoto depois de vê-lo em ação em um campeonato de Volta Redonda. A distância colaborou para que escolhesse o time carioca. Alto e forte além do normal para a idade que tinha, por muitas vezes era recebido com desconfiança pelos dirigentes das divisões de base. Achavam que o menino era ‘gato’, termo que explica quando um jogador mais velho mente a idade.
Em 2017 já havia passado no teste do Flamengo, mas só a partir dos 14 anos é que era permitido a estadia no alojamento. Mudou-se para lá há exatamente um ano.
— Chorei demais quando deixei ele sozinho, numa cidade grande, perigosa. Mas era o sonho da vida dele e respeitei —diz a mãe, Marília, que hoje, durante o velório, recebeu um abraço do governador Wilson Witzel (PSC).
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Witzel permaneceu por menos de dez minutos no local, ao lado da esposa e de um séquito de seguranças, e saiu sem dar declarações.
Em julho passado, Arthur foi selecionado para a seleção brasileira de jogadores com menos de 15 anos.
No quarto de Arthur, a primeira coisa que se vê é uma bola de futebol encostada no canto. A colcha que forra a cama é estampada com imagens futebolísticas: camisas de time, bolas, gols. Troféus e medalhas do menino estão sobre uma cômoda. Das cinco fotos que ilustram um painel, quatro fazem referência ao futebol. A quinta é ao lado da mãe.
— Ele estava fazendo embaixadinha com essa bola aqui na segunda-feira. Dói demais, dói muito. Era tão jovem, é tão triste, tanto sonhos se perderam.
Um dia antes de encerrar as férias e partir de volta ao alojamento, Arthur acordou ansioso.
— Ele coçava a cabeça, dizia que estava nervoso, ansioso para ver os amigos. Falou assim pra mim: "Mãe, é o meu ano. É o meu ano agora".
Marília agora intercala o choro do luto com a alegria de lembrar o passado, como se fosse preciso rir das lembranças para encarar o futuro e seguir em frente.
— Será que a gente rezava pouco? Eu fico pensando. Sempre agradeci — diz, com os olhos encharcados — A gente não sabe o dia de amanhã, não sabe mesmo.
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Meus sentimentos a família.
Mais um ?? anjo servindo ao senhor, papai do Céu ilumine e abençoe aos amigos e toda família desses anjos, vão com Deus