Fla tenta se livrar de placar que custa ao clube R$ 58 mil, mas vale R$ 8 mil

17/9/2013 11:35

Fla tenta se livrar de placar que custa ao clube R$ 58 mil, mas vale R$ 8 mil

Equipamento foi adquirido na gestão anterior para ser usado no beach soccer (modalidade extinta no clube). Imbróglio deve ir parar na Justiça

Fla tenta se livrar de placar que custa ao clube R$ 58 mil, mas vale R$ 8 mil
O placar eletrônico: áreas publicitárias seria exploradas incialmente pelo fornecedor (Foto: Reprodução)


O departamento jurídico do Flamengo tenta se livrar de um placar eletrônico com histórico confuso e preço muito acima do mercado herdado do extinto beach soccer do clube. A outra parte promete processo. Com a troca de gestão, o equipamento ficou guardado sem uso na Gávea até ser descoberto meses depois. Ele chegou a ser instalado e, no dia seguinte, retirado para devolução. O motivo: o fornecedor cobra R$ 58 mil pelo equipamento e por 40 horas de treinamento para a utlização. O valor de mercado, porém, é de R$ 8 mil.

Uma empresa no ramo de placares eletrônicos há 38 anos confirmou ao GLOBOESPORTE.COM que o valor de um modelo similar é de R$ 7.990,00 e que o treinamento se limita a instruções por telefone, sem custo e sem necessidade de aquisição de software, pois o procedimento é "muito fácil". A nova diretoria do clube, ao verificar o valor cobrado, brecou a operação e o caso agora está com o departamento jurídico rubro-negro, que já notificou o fornecedor.

O vice jurídico Flávio Willeman afirmou que agora a intenção é se desfazer do aparelho. O clube verificou o mesmo valor obtido pela reportagem para o modelo de placar e se espantou com a cobrança de R$ 58 mil.
- O departamento jurídico ficou ciente logo após a realização da cotação, pelo Fla-Gávea, do valor real de mercado do placar. Como não foi possível a renegociação amigável para que o placar fosse adquirido por um valor justo e de acordo com o mercado, o Flamengo está buscando judicialmente a declaração da inexistência do negócio jurídico e a retirada compulsória do equipamento - disse Willeman.
O departamento jurídico rubro-negro também levantou suspeitas sobre os documentos apresentados pelo fornecedor. Na proposta inicial, a ideia era usar o placar em comodato. O Flamengo nada pagaria, e o fornecedor lucraria com a exploração de três áreas de publicidade no placar. Entre os domcumentos, há uma carta de intenção de patrocínio totalizando R$ 1,8 milhão no período total do contrato (um ano, renovável por mais um ano, com o pagamento de R$ 75 mil mensais).

- O Flamengo não considerou a documentação como suficiente para embasar a suposta intenção de patrocínio. São documentos obscuros e mal redigidos, além de um contrato não assinado. Em relação ao equipamento, o placar que no mercado custa no máximo R$ 8 mil, estava sendo faturado por R$ 58 mil. O suposto “treinamento” de 40 horas não passou, em verdade, de uma orientação simples de cerca de uma hora – apenas para ensinar, através de um programa muito simples de computador, a utilização do placar eletrônico, ou seja, o manejo dos dados que são inseridos e alterados no placar, quando exposto e utilizado. Quando o Flamengo realizou a cotação e percebeu o absurdo valor cobrado pelo placar, decidiu anular o negócio imediatamente.

Uma mensagem repassada à reportagem trazia a cópia de um e-mail enviado no último dia 15 de julho, com endereço de marketing da empresa Centelha Equipamentos Elétricos LTDA., e assinatura digital "gerente de marketing do Grupo Rosa Leal", identificado como J. Maurício, a diversos diretores do Flamengo, incluindo o presidente Eduardo Bandeira de Mello. A reportagem entrou em contato com J. Maurício, que a secretária da Centelha afirmou se chamar João Maurício e confirmou fazer parte do departamento de marketing, e ele informou ser o responsável pelo envio do e-mail para os cartolas da Gávea.

O departamento jurídico do Flamengo observou o teor dos documentos em anexo e confirmou que foi o e-mail enviado aos diretores. Na mensagem, Maurício diz que tem sido "paciente e parceiro do clube" mas vê "que o mesmo não tem tido nenhuma consideração". Ele conta ter sido contatado pela "divisão da diretoria" do Beach Soccer do clube para fornecer um "placar, instalar, treinar, desenvolver o software e fazer as manutenções necessárias" e que "pelos serviços prestados, o Flamengo cederia uma área publicitária em torno do mesmo placar que ficaria instalado na arena de Beach Soccer na Gávea".


Em nota fiscal, 'treinamento e capacitação para operação' estão entre os serviços prestados

No texto do e-mail, J. Maurício se identifica como Maurício Constantino da Silva e continua: "Estive na Gávea onde tive algumas reuniões com as pessoas responsáveis as quais iriam tocar o projeto, inclusive os senhores Leonardo Ribeiro, Presidente do Conselho Fiscal, Cacau Cotta vice-presidente social/administrativo e por fim o senhor Marcus Duarte, diretor executivo de Marketing". Por telefone, Maurício contou ter se reunido pessoalmente com esses três dirigentes, além do ex-secretário-geral do Conselho Fiscal, Júlio César Barros, conhecido como Lagosta, e a ex-presidente Patrícia Amorim. Maurício explica em seguida a existência de um contrato, não assinado, que enviou em documento anexo ao e-mail: "Foi gerado (sic) uma minuta de contrato de comodato. Como forma de remuneração, eu Mauricio Constantino da Silva representado a JMC-Mauricio Constantino ME minha própria empresa, captou 3 empresas, o qual (sic) tinham o interesse de colocar suas marcas ao redor do placar como forma de Propaganda e Marketing (sic)“.
Maurício em seguida conta que o painel foi entregue ao Flamengo junto com um notebook para sua operação, mas por "algum motivo" não foi instalado. "Logo após o Flamengo não ter instalado o placar, fui informado que seria do interesse do Flamengo comprar o tal projeto, o qual fazia parte: o placar, software, treinamento e as tais áreas publicitárias (sic). Mesmo insatisfeito com a quebra do acordo inicial, e por não ter interesse em brigar com o clube, coloquei um preço no projeto, e que se diga de passagem bem abaixo do que eu arrecadaria durante 24 meses de exploração de marca no placar, mas que seria viável e de bom grado ao clube e sua direção".
O acordo citado para exploração de área publicitária é descrito na minuta do contrato de comodato, que seguiu em arquivo anexo ao e-mail, cedendo a exploração por 24 meses. Pela minuta, o Flamengo se responsabilizaria por restituir o custo do placar no caso de qualquer dano, com valor estipulado em R$ 40 mil. Esse documento, contudo, não chegou a ser assinado, de acordo com fontes no clube que tiveram acesso às informações.

Em outro documento que consta no anexo enviado pelo marketing, uma carta de intenção da mesma empresa que mandou o e-mail aos diretores do Flamengo, Centelha Equipamentos Elétricos LTDA., no sentido de comprar as três cotas de patrocínio no placar, no valor de R$ 25 mil mensais cada, pelo período de 12 meses prorrogável por mais um ano. Total em dois anos: R$ 1,8 milhão. A carta tem data de outubro de 2012 e vem com o nome digitado de Miguel Leal, dono da Centelha, segundo a funcionária que atendeu o telefone na empresa.

Com a troca de gestão no Flamengo, o acordo não se concretizou. O placar chegou a ser instalado no ginásio Canela (que fica embaixo da arquibancada com vista para o campo de futebol), mas retirado um dia depois. Antes de pagar os R$ 58 mil, o Flamengo buscou informações. Não encontrou documento assinado por vice-presidente, o que seria obrigatório, e não se interessou pelo modelo proposto na minuta de comodato. Dessa forma, pediu valores para a compra do placar eletrônico. O equipamento atende a essas especificações, como descrito no anexo do e-mail em texto e imagem com dimensões do placar e do espaço publicitário: placar eletrônico em modelo que informe "cronômetro progressivo e regressivo, com apresentação de tempo, pontuação, set e jornal eletrônico com 8 dígitos, medindo: 1,40x1,40; altura do digito 150mm".



Carta de intenção mostra como o fornecedor lucraria. Contrato nunca foi assinado (Foto: Reprodução)

Uma cotação do equipamento com descrição idêntica foi enviada pela reportagem do GLOBOESPORTE.COM - sem identificação - à empresa Kopp, com 38 anos no mercado. Foram sugeridos três modelos similares, um deles aparentemente superior ao oferecido ao Flamengo, com valor de R$ 7.990,00. Há um recibo assinado pelo atual diretor de patrimônio, Clement Izard, do recebimento do placar eletrônico e de um notebook, de março de 2013, com a seguinte configuração: "Positivo Unique S1990 3D com Intel Dual-Core, 2GB, 250GB, gravador de DVD, leitor de cartões, HDMI, wireless, LED 14'' e Windows 8, complemento ao placareletrônico recebido em novembro de 2012". O mesmo notebook pode ser encontrado na internet por R$ 999.
Maurício cobra do Flamengo (no anexo do e-mail constam nota fiscal carioca e boletos de pagamento de parcelamento sugerido pelo clube) o total de R$ 58 mil. Justifica, em troca de mensagens com diretores do clube, que ofereceu um pacote de serviço ao Flamengo, não apenas um placar, com desenvolvimento de software, treinamento com 40 horas de duração e o fornecimento do equipamento. O recibo é em papel timbrado da JMC Publicidade. Questionado sobre a necessidade de treinamento, aquisição de software e compra de notebook separado para operar o placar, o funcionário da Kopp respondeu: "O treinamento não tem custo algum. Caso não haja a necessidade de o técnico ir para a instalação, podem ser feitas orientações por telefone. O placar vai com um comando universal e um manual de instruções muito fáceis de utilizar. Não há necessidade de um treinamento especifico ou de aquisição de software algum. Está tudo incluído no preço. Apenas o frete é por conta do senhor".


Fornecedor vê má fé do Flamengo

O fornecedor do placar descreve em e-mail ao diretor financeiro Paulo Dutra o serviço prestado: "estive no clube no dia 19 de março instalei o Placar, entregue ao senhor Clement um Notbook, as antenas, o programa para o manuseio do placar e mais um treinamento totalizando assim 8 treinamentos, fique no clube das 13:00 horas até as 18:00 horas. Como você pode ver não devo mas (sic) nada ao Flamengo inclusive segue um recibo dando quitação aos meus serviços prestados ao Flamengo, segue também fotos (sic) do placar instalado e funcionando e sendo usado pelo Flamengo no Ginásio Canela. Quando percebo que o Flamengo usa o placar e pede para dar o treinamento para manusear, e não quer pagar percebo que age de má-fé (sic)".

Maurício troca e-mails ainda com o ex-secretário-geral do Conselho Fiscal na última gestão do clube, quando era presidido por Leonardo Ribeiro. Júlio César "Lagosta" Barros afirma na reprodução de e-mail que: "ocorreram mudanças no clube, o Clement foi afastado do setor, portanto minha solicitação esta tendo dificuldade para a resposta caso voce queira aguardar mais uns dias, tudo ok, caso contrario, pode entrar na justiça. abs JULIO Cesar (sic)".

O fornecedor disse por telefone ter se reunido com diversos dirigentes, incluindo a ex-presidente Patrícia Amorim, e que dois diretores que estão na atual gestão, Renato Blaute, do financeiro, e Clement Izard, do patrimômio, chegaram a aceitar a compra por R$ 58 mil, pedindo para parcelar o valor.

- Esse placar foi pedido a mim, quem tomava conta da arena de Beach Soccer era o Júlio César Lagosta, o Leonardo Ribeiro e o marketing que era o Marcus Duarte. Então me chamaram, pediram um apoio, e falei que tudo bem. Disse: “Quero isso, para que viabilize o processo, preciso disso“. Por quê? Eu vou comprar o placar, eu vou pagar tudo, vou fazer tudo e está tudo ali com nota fiscal. Mandei tudo para eles. Porém, aonde eu vou retirar a minha área publicitária, porque é interessante para as empresas que tomo conta. Dá visibilidade às marcas. E as empresas que trabalho são de equipamentos elétricos. Então é lógico que seria uma forma ideal de unir o útil ao agradável.

Mostrar a tecnologia, até onde nós vamos, mostrar tudo aquilo ali. Está entendendo? Foi assim que a coisa aconteceu. Passou pelo marketing do Flamengo, passou pelo Conselho Fiscal, porque na época tomava conta do Beach Soccer, passou pela senhora Patrícia Amorim, passei por todo mundo. Não foi uma questão política de A ou B, não. Passou por todo mundo porque era interesse do Flamengo. Não da Patrícia, do Júlio, de ninguém. Era do Flamengo e do Beach Soccer. Tanto era, que mudou a gestão, o Renato e o Clement me chamaram para reinstalar o placar, que está lá desde novembro. Quando a gestão nova entrou, me chamou. Disseram que queriam continuar o processo. Mas mudaram, não quiseram colocar no Beach Soccer e colocariam no Canela (ginásio embaixo da arquibancada com vista para o campo de futebol da Gávea). Só que falaram que queriam administrar a área publicitária. E perguntaram quanto custa o projeto todo. Falei que o placar, software, toda a assessoria, custaria R$ 58 mil reais.

Perguntaram se eu poderia parcelar em quatro vezes e concordei. Eu repassaria os patrocinadores. Gerei os boletos. Só que agora todo mundo quer tirar o seu e querem que eu assuma os R$ 58 mil. Amigo, a minha empresa, eu, Maurício, não vou falir por causa disso. Vou lutar pelos meus direitos, está tudo documentado. Não sou de nenhum braço político do Flamengo, não tenho intenção de ser, e as pessoas que trabalham comigo sabem que sou muito idôneo.

Ex-presidente do Conselho Fiscal vê negligência da diretoria
Leonardo Ribeiro foi informado das alegações e deu a sua versão para a história. Disse que não era o responsável pelo beach soccer e que prestou uma consultoria como presidente do Conselho Fiscal, orientando que fosse feita uma operação gratuita para o clube. Ele questionou o motivo da demora do clube em devolver o equipamento ao fornecedor e afirmou ser esse o motivo do problema.

- Ele deu o preço dele. O cara tem de ver no mercado quanto é que vale. Tem de avaliar. Por que é R$ 58 mil? Ele deve estar cobrando esses meses que ficou no Flamengo e a diretoria foi negligente. O torneio internacional foi em novembro. No máximo teria aí em dezembro, tentaram colocar um negócio de futebol de salão. Por que não devolveram em janeiro? Por que esperou até agora? Como não sabiam? Até o pipoqueiro quiseram cobrar, até no pipoqueiro foram em cima. Isso é negligência. Cabe agora ao cara negociar a devolução do placar: “Meu amigo, olha aqui, não vai ter mais nada no Flamengo, o esporte olímpico acabou, não vai ter mais atividade esportiva dentro do Flamengo, o Flamengo não tem mais interesse no placar e ele será devolvido. Eu acho até justo dar alguma coisa para o cara pelo constrangimento desses oito ou nove meses. Era o torneio de aniversário do Flamengo, seria tudo gratuito ali, já estava acertado que ele venderia a propaganda. A diretoria chega e espera nove meses para resolver, é claro que vai ficar com um pepino grande, incompetência total da gestão, agora, o que o cara está alegando ele deve fundamentar e conversar com os caras, o que eu vou fazer? Começou no Beach Soccer, mas era um bem do clube. Departamento de futebol e Fla-Gávea que tinham ele.

Informado do valor obtido pela cotação solicitada a uma empresa do ramo pelo GLOBOESPORTE.COM, Ribeiro se mostrou surpreso:

- Fisicamente R$ 8 mil, só isso? Está barato, acho que é mais caro. Bem, mas não sei, o Flamengo não pagaria nada. Ele deve estar cobrando o aluguel. Mas aí, essas histórias todas são do cara (do fornecedor). Eu gosto do Beach Soccer, como gosto de todos os esportes, tanto é que a orientação que dei ao departamento de futebol era de que fosse tudo gratuito para o Flamengo. Valia a pena ter um placar lá que o cara vendesse a propaganda lá. Não teria custo, tanto que o Flamengo não assinou o contrato. Deixaria o placar lá, venderia a propaganda que passaria na televisão, pagaria lá o trabalho e depois leva o placar embora ou deixa se tiver outros torneios. Se a nova gestão tomasse essa decisão em janeiro estava resolvido.
Ele disse também que chegou a ser considerada a compra do equipamento, com o Flamengo explorando a publicidade. Mas a opção foi descartada.

- Chegou a ser cogitado (comprar o placar e ficar com os patrocínios). Mas como não havia tempo hábil para o marketing vender as propagandas, não daria tempo de desenvolver um projeto. Era um contrato de risco. Se vendesse R$ 1 milhão se daria bem, se vendesse R$ 5 mil levaria prejuízo se o placar custa R$ 8 mil. Se deixou lá, era para ter resolvido isso em janeiro.

12201 visitas - Fonte: Globo Esporte


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