20/8/2013 20:08
Responsável pela obra do Maracanã desabafa: 'Chorei muitas vezes'
Ícaro Moreno revela tensão durante obra, lembra cobranças diárias de Cabral e explica demolição de cobertura: 'Corria risco de cair na cabeça das pessoas'
Muitos gostaram. Os saudosistas acham que perdeu a identidade, acabou. Em uma coisa, no entanto, a maioria concorda: o “Novo Maracanã” está lindo. Para receber a final da Copa do Mundo de 2014, o sexagenário estádio passou por mais de três anos de obras. Antes mesmo de ser fechado, o local já recebia suas primeiras máquinas. Nesse período, o custo - previsto em R$ 705 milhões - aumentou para R$ 1,1 bilhão. O prazo também se estendeu, e o Maracanã, ainda em fase de acabamento, foi entregue às vésperas do início da Copa das Confederações, quase seis meses após o prazo estabelecido pela Fifa. Ninguém vivenciou tudo isso mais de perto do que Ícaro Moreno. O engenheiro, de 58 anos e presidente da Empresa de Obras Públicas do Rio de Janeiro (Emop), foi o escolhido pelo governador Sérgio Cabral para tocar os trabalhos. Tudo passava por ele, que chegou a temer o pior: não entregar o estádio a tempo da Copa das Confederações.
- Chorei muitas vezes - disse Ícaro, que chegou a passar 20 horas por dia no estádio com medo de atrasos na reforma.
O período, chamado pelo próprio de “o mais difícil de sua vida”, gerou consequências. Hoje, Ícaro usa 50 agulhas nas costas para corrigir um problema na coluna, causado por estresse de jornadas de trabalho que chegavam a 20 horas por dia dentro do estádio. Remédios para controlar a pressão e para dormir também passaram a ser uma constante na vida do engenheiro. Foi dele uma das decisões mais polêmicas da reforma: demolir a antiga cobertura de concreto, que foi trocada por uma de lona.
- Aquilo corria risco de cair na cabeça das pessoas. Era uma corrosão crescente. A cobertura não ia cair de uma vez. A vida útil de uma estrutura tem fases. Nesse processo, poderia haver um desplacamento de uma pedra de um, cinco, dez quilos... Imagina uma pedra de cinco quilos, ou de um quilo mesmo, caindo de uma altura de 32 metros? Mata. Quando ia acontecer? Não sei, ninguém sabe.
O prazo de entrega foi estendido por três vezes. No estádio, não cabiam mais operários. Para conseguir entregar o Maracanã para a Copa das Confederações, Ícaro, muitas vezes, teve de atacar de motivador. Sorteava motos e distribuía sorvetes para os operários.
- Um operário motivado rende muito mais.
Pouco mais de dois meses após a inauguração oficial, no amistoso entre Brasil e Inglaterra, em 2 de junho, Ícaro Moreno não retornou ao estádio depois da decisão da Copa das Confederações, em 30 de junho. Torcedor do Botafogo, líder do Campeonato Brasileiro, ele ainda não foi ver o clube do coração no estádio que ajudou a reconstruir, mesmo admirado pelo futebol de Seedorf. Precisa de um tempo, confessa.
Enquanto isso, ele recebeu o GLOBOESPORTE.COM para um bate-papo em seu gabinete na Emop. Na conversa de quase duas horas, falou sobre a dificuldade que foi reformar o Maracanã, admitiu que a antiga cobertura poderia ter causado uma tragédia, garantiu que o estádio não passará por novas obras para as Olimpíadas de 2016, revelou que as cadeiras seriam vermelhas, falou sobre os impasses com a Fifa e afirmou estar satisfeito com o custo final do estádio.
Confira os principais trechos da entrevista.
Convite
Quando eu recebi o convite, pensei que seria mais um desafio na minha vida. Não tinha dimensão... Não tinha dimensão dessa paixão do torcedor. Fui muito apaixonado por futebol quando jovem. Mas com a idade, larguei um pouco de mão. É difícil. O torcedor tem essa coisa de “o Maracanã é nosso”. Os caras choram. Você argumenta que, quando chovia, caía goteira na cabeça dele. Mas ele diz: "É assim que eu gostava". Sabia que seria complicado, mas não nessa dimensão.
Maior desafio da carreira
Primeiro pela expressão e visibilidade dessa obra. Fiz o teleférico do (Complexo do) Alemão, passou na novela ("Salve Jorge", da TV Globo), mas nenhuma obra teve tanta expressão como o Maracanã. Todos esses problemas de uma obra pequena foram parar ali. Tivemos problemas de prazos. Se o Maracanã fosse uma obra nova, daria para diminuir um pouco os riscos, você consegue enxergar melhor a obra.
Projeto inicial
O caderno da Fifa orientou tudo. Tivemos discussões e fomos adaptando. Estou satisfeito com o resultado. Foi uma equipe grande que coordenou a obra. O Maracanã está lindo, tem a proximidade do campo, está bem coberto, som bom, vestiário... Cada ponto desses foi muito estudado. Tive 25 empresas oferecendo cadeiras. Foi uma dificuldade escolher. Foi criada uma norma no Brasil que a cadeira não pode descolorar e pegar fogo. As empresas tiveram que se adaptar. Assim fomos levando. A vibração do Maracanã melhorou muito. O Maracanã é tombado e queríamos preservar. Só camarotes saíram de oito para 800. Tivemos que modificar a arquibancada para isso. Quando tivemos que derrubar, pensamos em outro tipo de estrutura, mas ele saía do Maracanã e descaracterizava o estádio. Acabamos não fazendo. A ideia era levar conforto para as pessoas, mais bares... O número de vasos sanitários foi triplicado. Tudo isso estava no nosso radar. Fizemos maquete eletrônica para enxergar melhor a coisa. Nenhum estádio no Brasil tem a arquibancada toda impermeabilizada. Reformamos as rampas monumentais.
Nova cobertura
A primeira grande surpresa foi quando vi o concreto da arquibancada e achei estranho. Eu me lembrei da cobertura, pois sempre me ligavam. Chamei um brasileiro bom de patologia de concreto. No Brasil, não há norma para isso. Cada dia que ele fazia uma análise, me dizia que estava pior que eu imaginava e chegou à conclusão que deveríamos demolir. Eu falei: “Está maluco? Eu tenho prazo e projeto pronto.” Tivemos seis meses para isso. Era como uma pessoa com câncer terminal. Não me arrependo de ter investigado. Chamei outros técnicos brasileiros e até estrangeiros e todos me falaram a mesma coisa. Fizemos um projeto para cortar a cobertura sem vibrar, pois teria influências que poderiam comprometer outros lugares. Aquilo corria risco de cair na cabeça das pessoas. Era uma corrosão crescente. Antes de todos os jogos, me ligavam, e eu mandava um cara lá. Uma hora teria que parar. Pelo visual, sabíamos do problema. Mas os problemas internos eram dez vezes maiores.
Risco da cobertura antiga
A cobertura não ia cair de uma vez. A vida útil de uma estrutura tem fases. No Coliseu, por exemplo, caíram partes. O Coliseu, hoje, serve só para se olhar. A função do Maracanã não é a mesma.
Tem vibração. A cobertura tinha um problema de destratamento. Ela não ia cair totalmente. Existe uma homogeneidade entre o concreto e o ferro. O ferro trabalha na tração, e o concreto, na compressão. O aço estava descolado do concreto. Não estavam mais trabalhando juntos. Ele estava inchando. Nesse processo, poderia haver um desplacamento de uma pedra de um, cinco, dez quilos...
Imagina uma pedra de cinco quilos, ou de um quilo mesmo, caindo de uma altura de 32 metros? Mata. Quando ia acontecer? Não sei, ninguém sabe. Se não houvesse a reforma, poderíamos até ir fazendo a manutenção e ir levando. Mas o Maracanã passou por uma reforma grande, uma mudança completa, palco de final da Copa do Mundo... Não poderia ficar como estava.
Não acreditei de primeira. Chamei os professores do Fundão, os professores da Uerj, feras da engenharia, fui na USP, contratei o professor Ênio, um craque no assunto. Não satisfeito, pedi um relatório externo. Busquei a melhor patologista de concreto do mundo, a Maria Del Carmen, da Espanha. Todos confirmaram a necessidade da demolição da cobertura. Diante de cinco relatórios, nenhum engenheiro do mundo manteria a cobertura. A decisão veio de forma natural, mais gerou custo, aumentou o prazo, gerou Ministério Público, Audiência Pública, inquérito da Polícia Federal (crime contra o patrimônio), gerou problema no Iphan. Foi o pior momento ter que passar por isso com um avião em voo. Eu não podia parar. TInha um prazo a cumprir.
Prazo
Chorei muitas vezes. Você tem um planejamento, metas... Projeto significa futuro, instrumentos de planejamento. No planejamento dava, pois ele tem folgas. Mas as folgas foram diminuindo ao longo do tempo, com chuvas, greves, problemas na alfândega... No final, estava “apertadão” e todo mundo tenso. Dia e noite eu olhava a previsão de tempo. De madrugada, acordava na chuva às 2h, pegava o carro e ia para a obra. Cada chuva forte influenciava nos outros andares. Todo dia tínhamos uma reunião às 6h da manhã (a partir de setembro). Engarrafava em volta do Maracanã, era um caos, pois nada poderia entrar na obra. Eu ligava para a CET-Rio para ver se conseguia liberar o carro.
Alfândega pegou, ligava para governador, ministro... Muitas vezes eu ficava agoniado até a madrugada. Muitos problemas, o governador ligava... Minha válvula de escape era rezar, era Deus.
De setembro até a entrega (maio), minha família sabia que eu estava ocupado. Cheguei a levar a minha filha para a obra aos domingos.
Pressão
O governador foi incansável. Ele me ligava toda hora. A primeira pergunta era: “Onde você está?”. Ele foi várias vezes ao Maracanã. Uma vez reuniu todos os operários e deu um grito de guerra lá dentro. Outra vez, levou o Lula. Você animado opera por 10 pessoas. Não tinha condições de colocar mais gente na obra (em novembro de 2012). O cara tem que estar motivado. Na hora que você leva um ex-presidente, muda de figura. Foi no sentido de animar para melhorar a produção. Desde o início eu falava de tempo, pois a obra tem dia e hora para acabar. Foi o que mais me preocupou. Cada indecisão na obra gera tempo. Para trazer coisas de fora, por exemplo. Era tudo muito grande. Imagina as cadeiras. Quase 80 mil cadeiras. A mesa é redonda, mas afunila. As decisões precisavam ser tomadas com velocidade.
Trabalhamos o tempo todo com a espada na cabeça. Mas eu acho bom trabalhar com a espada na cabeça. Sou a favor das manifestações populares, por exemplo. Mas sem violência.
Saúde
Estou com 50 agulhas nas costas. Estou tomando remédio de pressão. Passei a tomar remédios para dormir Tive problemas de coluna e foi efeito da tensão. Não conseguia virar o pescoço. Mas estou bem e satisfeito com o resultado do Maracanã.
Maior dificuldade
Minha maior angústia, maior agonia, foi a cobertura. Com aquilo não me conformava. Eu não queria, não estava programado. Eu sabia que aquilo era um grande transtorno de recursos, grande transtorno de projeto. Foi como se tivesse caído um raio na minha cabeça. Mas eu não poderia deixar de lado essa responsabilidade de fazer essa análise da cobertura. E essa análise não poderia ter sido feita antes, já que era necessário que o estádio ficasse seis meses sem jogos. Nunca essa análise havia sido feita. Mas eu não poderia deixar de fazer. Como engenheiro, eu tinha que fazer.
A cobertura, hoje, poderia estar lá. Ia remendar aqui, ali, e íamos levando. Mas teria um risco.
Nova reforma para as Olimpíadas de 2016
Existe muito papo. As exigências para uma Copa do Mundo são muito maiores do que para as Olimpíadas. Fizemos a abertura Norte, que serve como escoamento para grandes eventos. Sobre a Pira Olímpica, não dá para furar o gramado. Tem água a 60 cm do gramado. A cobertura, por exemplo, tem uma capacidade de peso. Já falei: tem que se adaptar ao Maracanã, e não o Maracanã ao evento. Em termos de visibilidade, não falta nada. A tecnologia de informação está preparada para qualquer evento internacional.
Gramado
Tinha opções A, B e C. Gramado pode falhar? Nada podia falhar. Plantamos a grama em uma fazenda no Rio de Janeiro, mas fui ao Sul para outra empresa. Aqui dependia do tempo, material... Se a grama ia crescer suficiente para colocar no Maracanã.
767 visitas - Fonte: Globo Esporte
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