O paraibano Tiquinho Soares estava no Olympiacos , da Grécia, com a mesma fama de goleador conquistada nos tempos em Portugal e, aos 30 anos, já projetava continuar na Europa até encerrar a carreira. Seria assim não fosse o conselho de um velho amigo.

“Eu já vinha dizendo que ele deveria voltar para o Brasil. Ele saiu de um time pequeno para jogar em Portugal e, assim, no Brasil quem tinha TV por assinatura até acompanhou um pouco, mas eu queria que a grande massa soubesse quem é Tiquinho Soares”, disse Josivaldo Alves à ESPN .

Treinador de categorias de base, fundador e hoje gestor do Centro Sportivo Paraibano (CSP), em João Pessoa, Josivaldo Alves conhecia o artilheiro do Campeonato Brasileiro pelo Botafogo há pelo menos dez anos. Nunca foi o empresário do atacante, mas sempre esteve perto, aconselhando.

“Ele respondia que não era hora de voltar ao Brasil. Teve até uma situação do Flamengo procurar ele, mas ele falou que ainda não. Depois o Palmeiras também, entendeu? E alguns outros clubes. Mas para todos ele falava que não, que ainda não queria. Fazer o que? A gente respeitava”, disse Josivaldo.

A situação acabou mudando em agosto do ano passado, quando o atacante já tinha iniciado a segunda temporada pelo Olympiacos jogando partidas pela Liga Europa.

Naquele momento, Tiquinho Soares ponderou os conselhos do amigo. Acabou topando conversar com o Botafogo, o único clube que foi atrás dele no momento em que decidiu voltar ao Brasil.

“Teve um jogo do Olympiacos contra o Maccabi Haifa [em julho de 2022] que ele arrebentou. Jogou pra caramba. Acho que no Botafogo, onde ele fez vários jogos muito bons, talvez nenhum tenha sido igual ao jogo que ele fez naquele dia. Isso me dava raiva lá porque no jogo seguinte ele já era suplente de novo porque o outro atacante era da casa, tinha cinco anos lá, só fazia gol de pênalti, entendeu? No meu entendimento, nivelou por baixo. Daí eu insisti para ele considerar voltar ao Brasil. Ele deu o sinal positivo. Quem estava tratando na época era o Lúcio, irmão do Deco, fechou com o Botafogo”, disse Josivaldo.

Para o gestor do CSP e amigo do atacante, o Botafogo acabou sendo uma escolha perfeita. Como o clube carioca estava em fase de reestruturação como SAF, a diretoria buscar formar um elenco competitivo, mas com um orçamento bem inferior ao de Flamengo e Palmeiras. Então, optava por nomes menos badalados.

“O jogador que está voltando, que ainda não tem nome no Brasil, precisa ir onde tem carência. Eu percebi também a carência. No Botafogo era chegar e jogar. O dinheiro oferecido não era mais do que pagava o Olympiacos, mas tinha esse atrativo de mostrar o potencial dele pra todo Brasil. Desde então ele vem mostrando o grande jogador que a gente sempre viu nele”, disse Josivaldo, orgulhoso.

Hoje, aos 32 anos, Tiquinho Soares é o artilheiro do Brasileiro com 13 gols e um dos protagonistas do Botafogo, líder isolado com 51 pontos e em busca de um título que não vem há quase 28 anos.

Interesse do Grêmio antes da 'fama'

Anos antes do sucesso na Europa, quando Tiquinho batalhava no Brasil e chegou em um mesmo ano jogar por três clubes diferentes, ele atraiu a atenção do Grêmio.

“Ele estava no Veranópolis em 2014. Foi quando o Grêmio sondou ele, mas não chegaram a concretizar [uma proposta]. Eles gostaram do Tiquinho, mas ficaram naquela, né... Não levaram”, disse Josivaldo.

Foi nesse tempo em que jogava no Rio Grande do Sul que Tiquinho teve também a maior decepção da carreira, mas que acabou se revelando depois um ponto de virada.

Ele estava no Pelotas, que disputava a Série D do Brasileiro, quando surgiu a possibilidade de jogar pelo Boavista, de Portugal. Apesar de Josivaldo Alves não ser empresário do atacante, ele era o presidente do CSP, clube que emprestou o jogador ao Pelotas e que tinha 45% dos direitos econômicos dele.

“Na época, dois empresários eram donos de 55% dos direitos econômicos de Tiquinho. Então, quando chegou a proposta do Boavista eu os procurei. Um deles, o João, que era mais envolvido, aceitou vender, mas ficou pedindo muita coisa ao presidente do Boavista. Quando o Tiquinho deixou Pelotas e estava viajando para João Pessoa, esse empresário fez outra exigência ao Boavista. Aí o presidente do clube me ligou dizendo que o negócio estava desfeito, que não queria mais o jogador. Pô, ele estava no avião, como ia contar isso pra ele? Foi um peso para nós”, disse Josivaldo, lembrando a tristeza de Tiquinho.

O hoje gestor do CSP lembra que o atacante recebia quase R$ 8.000 no Pelotas, além de ajuda de custo. O salário em Portugal seria muito três vezes maior, além de o clube jogar a primeira divisão do país. Já no Brasil não havia tantas portas abertas naquele momento, e Tiquinho teve que se conformar.

“Eu arrumei um clube na Paraíba [Lucena] para ele jogar a segunda divisão do Estado. Aí ele saiu de salário bem maior pra ganhar R$ 3.000, isso quando recebia os 3.000 completos. Ele foi campeão e artilheiro, só que a cada dois dias eu ia para a cidade onde ele estava morando, deixava a minha casa e a minha esposa em João Pessoa, para conversar com ele, dar moral. Levava ele pra jantar junto com outro jogador que o CSP tinha nessa agremiação para diminuir a frustração dele”, disse.

A insatisfação com os dois empresários foi tão grande que gerou uma ruptura. Foi aí que entrou em cena o ex-jogador Deco, que naquela mesma época decidiu assumir o CSP e investir na formação de jovens.

Com influência em Portugal graças aos anos em que defendeu o Benfica e principalmente o Porto, ele conseguiu uma oportunidade para Tiquinho no Nacional da Ilha da Madeira já no final de dezembro de 2014. O atacante acabou estreando pela nova equipe em fevereiro do ano seguinte.

Tiquinho começou ali uma trajetória de sete anos seguidos na Europa, com um hiato de nove meses na China (de setembro de 2020 até maio de 2021), até acertar com o Olympiacos.

Fora do Brasil, considerando apenas partidas oficiais, ele fez 269 jogos e 105 gols.

Terra dos dinossauros

O atacante é natural de Sousa, interior da Paraíba e conhecida como a cidade dos Dinossauros. Afinal, lá foram encontrados os primeiros rastros desses répteis que habitaram o Brasil há mais de 165 milhões de anos. Inclusive, há um sítio arqueológico que recebe visitantes quase diariamente.

O goleador do Botafogo nasceu como Francisco Francisco das Chagas Soares dos Santos e recebeu ainda no bairro de Angelim o apelido que o fez famoso no mundo da bola.

“Quando ele nasceu ninguém dizia que ele ficar esse ‘Ticão’ de hoje. Ele era bem pequeno, magrinho. Todo mundo achava ele um tiquinho mesmo. A mãe dele, as pessoas na rua começaram a chamar ele de Tiquinho. E ficou. É uma marca que ninguém tira mais”, disse Nildo Lima à ESPN .

Quem afirma isso é outra pessoa especial na vida de Tiquinho. Nildo foi vizinho dos Chagas Santos, ficou amigo da família e virou o primeiro técnico do garoto, quando ele tinha só 8 anos.

“Quando eu era atleta profissional do Sousa eu comecei um projeto social no bairro de Angelim. Era mais para ajudar na condução do bairro, na questão social com as crianças. Fundei a Escola Deus é Vida. A mãe dele me procurou, e ela tinha comprado uma chuteirinha pra ele. Aí ele veio trabalhar com a gente. Ele já tinha uma passada longa, já driblava direitinho, chutava bem”, disse Nildo.

A exemplo de Tiquinho, o projeto também se desenvolveu nessas últimas duas décadas. Hoje é conhecido como Centro Recreativo Angelim e conta com mais de 350 jovens, que recebem assistência, educação e jogam futebol, disputando torneios de base em Sousa e no restante da Paraíba.

Mas nos tempos iniciais Tiquinho não tinha apenas o futebol como preocupação. Ele precisava ralar para ajudar a família. Assim, foi servente de pedreiro, vendia churrasquinho e sacolé (chamado de dindin na terra natal). Como ex-jogador do Sousa, Nildo procurava orientar o jovem.

Depois de alguns anos, o jovem se mudou com os pais para Natal. Teve a chance de jogar na base de Palmeiras das Rocas, Caicó e finalmente América de Natal, onde se desenvolveu mais.

Foi em 2010 que ele se transferiu (já como profissional) para o Botafogo da Paraíba, em João Pessoa, e passou a ser observado por Josivaldo Alves, que junto com Nildo tem até hoje a gratidão do atacante.

“Ele ajuda demais nosso projeto, de várias formas. E ele nem faz questão de aparecer por isso. Faz de coração mesmo. Hoje, toda a criança em Sousa quer ser Tiquinho Soares. Nas férias, quando ele vem aqui, ele é recebido com alegria, tem muitos fãs. É uma referência”, disse Nildo.

“Hoje a Paraíba está torcendo pelo Botafogo por causa do Tiquinho Soares. Eu que não sou Botafogo, sou Flamengo por causa da era Zico, virei Botafogo por ele. Com tão pouco tempo de clube, triunfando como ele está, Tiquinho é motivo de muita satisfação, alegria e orgulho, para nós”, concluiu Josivaldo.