É razoável supor, com atraente possibilidade de acerto, que o episódio que rondava a mente de Vítor Pereira quando ele revelou seu incômodo com a “falta de educação” no futebol brasileiro foi a noite em que lhe perguntaram, em entrevista coletiva, quem mandava em sua casa. À época, no Corinthians , o treinador português de trajetória internacional e merecedora de aplausos insistia em mencionar a aprovação de sua mulher para permanecer no clube, motivo pelo qual, e quando o tema já se arrastava de maneira estranha, a pergunta foi feita.

Uma pergunta invasiva, mal formulada e, em certo aspecto, ofensiva, pela qual seu autor se desculpou, assumindo o equívoco e explicando qual era sua intenção. Se, por exemplo, a frase fosse construída como: “Vítor, boa noite, uma curiosidade - na sua casa, quando existe discordância entre você e sua mulher sobre uma decisão importante, qual é a opinião que normalmente prevalece?”, o técnico não responderia da forma ríspida - e natural - que escolheu para se fazer respeitar diante de uma interação que claramente atravessou a linha das boas maneiras.

Aquela noite, aquela pergunta e este assunto deveriam estar recolhidos à sua pequena importância se não tivessem sido despertados pela recente declaração de Pereira, uma reclamação que - além de resvalar no sensibilíssimo tema do olhar do colonizador, por razões que talvez não tenham sido intencionais, mas são evidentes - não pode ser enxergada sem a devida contextualização. Quando se discutia sua renovação de contrato com o Corinthians, a opinião geral, no público e na crítica, era a de que ele deveria prosseguir. Entendia-se que Pereira fazia um trabalho que superava as condições que lhe foram oferecidas, e que o clube teria a ganhar com a sequência de seus métodos e ideias (algum tempo depois, é importante salientar, essa noção foi seriamente abalada pelas opiniões de jogadores sobre ele e a forma como conduzia o dia a dia). O torcedor que mais se faz ouvir, o que frequenta estádio e o que se manifesta na arquibancada das redes, estava claramente a seu lado.

De modo que não é suficiente, neste caso, o argumento indiscutível de que o ambiente do futebol brasileiro é excessivamente rigoroso com treinadores e, muitas vezes, ultrapassa os limites não só da educação, mas da segurança pessoal de seus personagens. Vítor Pereira aparentemente reduziu seu período no Brasil a uma pergunta infeliz, que não refletiu, em forma, o que o entrevistador queria dizer, durante uma passagem - a outra, no Flamengo , foi um desastre absoluto que certamente não deve ser atribuído apenas a ele, mas que estará, para sempre, em seu currículo profissional - em que seu prestígio estava nas alturas, o que é completamente diferente de um abuso com motivação crítica, como os que caracterizam o tratamento a técnicos no Brasil quando os resultados não aparecem.

No cenário mais amplo, Vítor Pereira está correto. De fato, o ambiente é muito violento. A falta de educação - na condução pessoal ou no sentido acadêmico da formação de pessoas - permeia as relações no futebol no Brasil, assim como em outras áreas de atividade suscetíveis ao afloramento das paixões. Está nos primeiros lugares da lista de mazelas da sociedade brasileira, mas longe de merecer um posto de destaque na avaliação de sua aventura no país, marcada, isto sim, pela forma indecorosa como ele manejou a transição entre clubes. A propósito, Pereira poderia contar a verdadeira história de sua saída do Corinthians em seu próximo contato com jornalistas em Portugal. A honestidade, um dos pilares da boa educação, poderia fazer muito para reformar a impressão que ele deixou por aqui.