José Boto, de 57 anos, é o novo homem forte do futebol do Flamengo na gestão de Bap. Escolhido para liderar a reformulação do departamento, o dirigente deu a sua primeira entrevista coletiva no cargo na tarde desta segunda-feira no Ninho do Urubu. O português reforçou que recebeu carta branca do novo presidente para tomar decisões, inclusive a permanência ou não do técnico Filipe Luís, a quem comparou com outros treinadores famosos e disse ter certeza de que ele será "top mundial". - A escolha foi de minha responsabilidade. Eu poderia ter escolhido outro treinador. Sou pioneiro, eu e uma equipe que trabalhava comigo no Shakhtar, de uma coisa chamada scouting de treinadores. Tínhamos uma linha definida de como queríamos jogar, o dono do clube exigia. Contratávamos treinadores que respeitavam esse DNA. E criamos um scouting de treinadores, uma lista com esse DNA. O Filipe foi uma escolha minha e, se falhar, a culpa é minha. Isso é profissionalização. É fácil mudar o treinador 11 vezes e ninguém ter culpa disso - disse Boto, que acrescentou: - Se o Filipe falhar, o culpado serei eu. Toda a gente do clube vai ter que trabalhar como nós queremos. Quem não trabalhar como queremos sai. Depois, se as coisas forem mal, o responsável sou eu. Tive carta branca do Bap para que, se achasse que deveria mudar o treinador, mudava. Analisei, vi muita coisa que gostei (de Filipe Luís), vi muita entrevista. Depois, o contato diário tem confirmado tudo. É algo de que posso me orgulhar. Nos jogadores nós falhamos, não há ninguém que acerte sempre. Nos treinadores, normalmente não erro. O Filipe vai ser um treinador top mundial. Lancei treinadores como Luís Castro, como De Zerbi (italiano que está no Olympique de Marseille), e o Filipe está na linha deles. Boto também explicou as prioridades estabelecidas para o início de trabalho no Flamengo . O dirigente afirmou que já conversou com Filipe Luís sobre a atuação do clube no mercado de transferências e admitiu que um dos alvos é Lassina Traoré, atacante do Shakhtar Donetsk : - É um jogador que conheço muito bem. Quando eu estava no Shakhtar, compramos do Ajax, com 18 anos, por 10 milhões de euros (R$ 64,2 milhões na cotação atual). É um jogador em que pensamos e está em análise, como muitos outros. A posição de centroavante é a mais prioritária e não queremos falhar, queremos encontrar o perfil que interessa ao treinador e ao Flamengo . Pode ser um nome conhecido, mas pode ser menos conhecido. Normalmente os nomes conhecidos são para agradar à torcida. Queremos alguém com rendimento - comentou. - A partir do dia 18 de dezembro, em que o Bap anunciou que eu seria o diretor de futebol, converso todos os dias com o Filipe. O elenco tem uma qualidade enorme. Sabemos que temos que fazer alguns ajustes e serão feitos no tempo que nós achamos que será ideal para o Flamengo , não para agradar à torcida e à imprensa. Quero a torcida feliz em dezembro e não em janeiro - afirmou. Boto iniciou a carreira como treinador de times do sub-15 ao sub-19, com passagens por equipes portuguesas como Sacavenense, Alverca e Loures. Em 2007, ele foi para o departamento de scouting do Benfica, que estava sendo implementado, e passou a coordenar a pasta em 2010. Em 2018, foi convidado a chefiar o departamento de scouting do Shakhtar Donetsk, da Ucrânia. No fim de 2021, assumiu a direção desportiva do Paok, da Grécia, e desde o ano passa estava no Osijek, da Croácia. Veja outras declarações de Boto: Carências do elenco - Identificamos o que precisamos. Minha leitura e do Filipe é que o elenco é muito bom e pode render ainda mais do que tem rendido. Não estamos aqui pensando no que temos que comprar. Mas vamos reforçar tentando minimizar o erro. Vamos nesse jogador porque vai para o Corinthians... Não. Vamos no que queremos, quando tivermos certeza. Já conversei com o presidente sobre as verbas que temos para gastar. Uma parte da profissionalização é não discutir assuntos internos publicamente. É suficiente para os reforços que queremos... O DNA do Flamengo é Zico, Junior Maestro... É um futebol ofensivo, dominante, temos que dominar e tudo vai ser feito para respeitar esse DNA. Primeiros dias no Rio - É um orgulho muito grande representar um clube como o Flamengo , mas ao mesmo tempo uma responsabilidade enorme. Foram dias muito corridos. Tive o encontro com o Zico, um ídolo de infância, foi algo que marcou do ponto de vista emocional. Conheci o CT. Já tinha algumas referências de que era um CT muito moderno, mas sinceramente não esperava que fosse tão bom. Tenho que ser responsável e não posso chegar, sem conhecer as pessoas e o ambiente, e querer fazer as coisas à minha maneira. Primeiro, vou conhecer todos da estrutura do futebol para saber se eles se adaptam à forma como pretendo trabalhar e também, o mais importante, cuidar da equipe profissional. Contratações de auxiliares - Vou trazer uma ou duas pessoas da minha confiança. Não discutimos contrato nem nada. Pessoas que vão agregar conhecimento em várias áreas. O futebol é, talvez, o único negócio em que as pessoas fazem investimento e não cuidam. Gastam 10 milhões e, se rendeu, rendeu. Se não, compra outro. Tem que entender por que não rendeu, do ponto de vista médico, emocional. Há N fatores. Quantos jogadores vocês conhecem que não rendem num lugar e têm bom rendimento em outro? Eu estava no meu último ano no Benfica quando chegou o Gabigol. O rendimento do Gabigol lá foi quase zero. Depois virou ídolo aqui. A preocupação de entendermos o que tínhamos que fazer para ajudar o Gabigol a crescer como jogador e dar o rendimento que se necessita, isso tem que ser feito. Há profissionais competentes para ajudar. Isso é algo que vamos tentar montar aqui. Profissionalização - Profissionalismo para o Flamengo tem que ser a coisa mais importante de todo mundo que trabalha aqui. Mais importante que a família, que tudo. Temos que dar o máximo. Existem 50 milhões de pessoas lá fora que fazem muito sacrifício para acompanhar o Flamengo . É um privilégio para todos, a começar por mim, passando pelo pessoal da rouparia, da cozinheira. Todos têm que entender a responsabilidade e que isso é a coisa mais importante da vida deles. Isso é profissionalismo. Os torcedores podem esperar cobrança, primeiro de mim, dos jogadores e todos têm que trabalhar bem. Isso é profissionalismo. O que chamou a atenção sobre o Filipe Luís? - Vi duas vezes todos os jogos do Flamengo desde que o Filipe pegou. Uma para analisar o elenco, outra na perspectiva de analisar o trabalho do Filipe. Quem escolhe treinador tem que ter personalidade. Consegui perceber nuances táticas no trabalho do Filipe que me agradaram muito. Não é tão visível ao olho normal, mas ao olho mais clínico agradou muito. Depois me agradou muito a forma como se comunica, forma humilde, mas assertiva, sabe o que quer. Depois, quando tive contato, percebi a ambição dele, a vontade de aprender, de evoluir. No futebol, quando achamos que sabemos tudo, é o primeiro passo para estarmos mortos. Aplicação do DNA em base/feminino - O futebol feminino não é minha área. Não tenho capacidade de gerir. Não é que seja diferente, mas não conheço as jogadoras, não sei quais são as melhores do mundo, não é minha área. A base é minha área. É algo de que vou me orgulhar. Temos que criar esse DNA, jogadores talentosos e ao mesmo tempo responsáveis. Conheço bem o Brasil, no Shakhtar tínhamos 14 brasileiros, buscamos jogadores que nem sequer tinham jogado Série A e em alguns meses estavam jogando Champions. Aqui no Brasil se foi buscar muita coisa ruim que se faz na Europa. Na Europa, viemos aqui para buscar coisas boas que vocês faziam na base. - No futebol profissional, a chegada de técnicos estrangeiros deu mais rigor tático ao jogo, mas replicar na base é um erro tremendo. Vocês são os maiores produtores de jogadores de todos os tempos. Romário, Ronaldinho, Zico, não parava aqui. Parece que querem fazer jogadores como na Europa. Isso é um erro. Há que voltar um pouco atrás ao que vocês foram os reis. É o fundamento do futebol brasileiro, dar essa liberdade aos jovens atletas de errar, experimentar, de não estar agarrado em sistemas táticos. Depois vão ter tempo para isso. É fundamental mudar a forma como se formam jogadores no Brasil. Vocês estavam bem, foram copiar a Europa e neste momento estão mal. Não produzem tanto talento quanto há 10, 30 anos. Isso é algo que teremos que mudar. Vazamento de informações - Uma das coisas que discuti com o Bap é fechar o CT. Acabou visita de gente que não tem nada a ver com o trabalho diário. Sei que as pessoas gostam, mas isso vai acabar. Nas viagens, também vai acabar ir no mesmo avião ou no mesmo hotel pessoas que não têm a ver com o futebol. Foram as primeiras medidas que tomei. Só entra aqui quem tem a ver com futebol. Depois, se começar a vazar as coisas só com as pessoas que estão aqui, vamos averiguar. Brasileirão como prioridade? - Dos lugares de onde venho, o campeonato é o mais importante. Mais que a Copa. Talvez a Champions seja o mesmo nível. Mas no Flamengo temos que pensar que entramos em tudo para ganhar. Temos que ter um elenco e a mentalidade de que vamos para ganhar tudo. Se por um motivo tivermos que priorizar algo, vai ser sempre o campeonato. Possíveis saídas do elenco - Os jogadores têm contrato. Você quando assina contrato com seu empregador tem que cumprir e respeitar. Vamos analisar com calma, entender se vale a pena da parte do Flamengo renovar, se os jogadores têm a visão de renovar ou não. Mas tenho uma visão muito pragmática. O jogador assina o contrato e, se o treinador precisar, não é porque está a seis meses de terminar que não joga. O treinador precisa? Joga. O jogador é profissional. Nós, como entidade que paga, temos que exigir o profissionalismo. Se vamos renovar todos ou só um, se vai ser o Cleiton ou não, temos que analisar. Cheguei há dois dias, tem coisas a trabalhar. Espero que a partir de hoje tenha um pouquinho mais de paz para dedicar mais horas ao trabalho.
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