– Quando fecho os olhos, eu sinto o calor no meu rosto. Ouço vozes pedindo socorro – relembra Jhonata Ventura ao empresário, Jasiel Carvalho.
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As imagens do incêndio do Ninho do Urubu, CT do Flamengo, assombram Jhonata Ventura. Ao tentar dormir, o jogador de 15 anos relembra a tragédia que o fez perder dez amigos e ser um dos três feridos, sendo o que ficou em estado mais grave. Há duas semanas internado com 30% do corpo queimado no Centro de Terapia de Queimados do Hospital Municipal Pedro II, em Santa Cruz, Zona Oeste do Rio, o menino chorou quando soube da morte do melhor amigo, Áthila Paixão.
Perguntou, então, sobre o “negão”, apelido dado a Pablo Henrique. Veio às lagrimas mais uma vez e não quis saber mais. Se privou de saber sobre os demais companheiros para manter na memória todos eles. Um dos últimos a deixar o contêiner incendiado, porque tentou salvar os amigos, Jhonata lembra com exatidão o que aconteceu. A medicação traz o resultado físico de curar os graves ferimentos. Mas a parte psicológica ainda é a maior dificuldade.
O menino está isolado, não tem acesso a nenhuma rede social ou televisão. Só acredita no que pessoas de confiança lhe falam, se não, desconfia. As conversas são em um ritmo mais devagar, sem eloquência, porque teve as vias aéreas queimadas, mas evolui a cada dia.
– Ele não desenvolve por completo qualquer o assunto. Está mexido, afetado com a tragédia. Tudo está no subconsciente dele, fica mais complicado de equilibrar – conta o empresário Jasiel Carvalho. – Ele fala de forma gradativa, em um processo lento. Tem sido muito bem assistido pelo corpo médico do hospital.
A expectativa é que Jhonata saia em dez dias do CTQ e seja transferido para Unidade de Terapia Intensiva. Depois de mais um período de recuperação, ainda indeterminado, a terceira etapa será ser ficar em um quarto até, enfim, receber alta médica. Mas são dias ou semanas impossíveis de se contabilizar, porque depende da evolução do quadro do jogador.
Sonho: ainda jogar no Flamengo
O sonho de criança de Jhonata sempre foi ser jogador de futebol. No bairro pobre de Serra, cidade do Espírito Santo, ele alimentou o desejo e conseguiu chegar onde muitos almejam: vestir a camisa do Flamengo. Além do empresário, a sua fiel escudeira é a mãe, Renata Cruz, que “se mudou” para ficar com o filho mais velho e ainda trouxe o mais novo, Renan, de 8 anos, que está sem estudar porque o Flamengo ainda não resolveu a questão de indenização das vítimas.
Mas as chamas que tiraram a vida de meninos entre 14 e 16 anos e feriram gravemente Jhonata não acabaram com o desejo do jovem, que completou 15 anos uma semana antes da tragédia, no dia 30 de janeiro. Um dos pedidos do garoto é o que qualquer atleta deseja: treinar. A ansiedade para sair do hospital e voltar às atividades é grande.
“Não posso ficar para trás. Os meninos seguem treinando”, disse o garoto, antes de saber que as atividades estão suspensas no Ninho do Urubu pela Justiça até que o Flamengo se adeque a todas as exigências para disponibilizar o espaço e proteger as crianças.
O retorno aos gramados é indeterminado. Mas o acompanhamento psicológico será necessário por causa do impacto que ele terá por não reencontrar seus amigos.
– Ele quer continuar a jogar, quer continuar no Flamengo. Vamos dar o apoio necessário para dar sequência a vida dele. O Jhonata não morreu. Ele está vivo. Se o desejo é continuar a jogar, vamos respeitá-lo.
Desejos por estrogonofe de frango e ouvir Alcione e Ferrugem
A fome de bola é tão grande quanto a vontade de comer de verdade. Por ainda estar na dieta líquida, Jhonata não vê a hora de devorar um prato com estrogonofe de frango, ir ao restaurante Outback e tomar uma Coca-Cola. Isso de imediato. Na lista de desejos, também há um apego musical.
Do samba a MPB, do pagode ao pop, o menino pediu para ouvir canções de Alcione, Djavan, Ferrugem e Péricles. O gosto surgiu por causa da mãe, que acostumou o menino e o irmão com os sucessos desses cantores. E esse pedido foi prontamente atendido: o médico levou um ipod com algumas músicas desses artistas, um momento feliz na luta pela vida de Jhonata.
Sem abraço da mãe
Renata é outra sobrevivente. Largou tudo no Espírito Santo para se dedicar ao filho. Desde que chegou ao Rio, não conseguiu sequer dar um abraçou ou beijo em Jhonata. Não pode tocar no filho, está privada, o que lhe aflige. Sai algumas vezes do hospital para espairecer e dar atenção ao pequeno Renan, que vê de perto a tragédia que mexeu com a vida do irmão e de toda a família.
Ela chegou a participar da reunião entre familiares das dez vítimas do incêndio com o Flamengo no Tribunal e Justiça do Rio. Se antes pensou em dar uma coletiva para falar sobre o filho internado, ficou novamente abalada e reviveu o luto com o descaso apresentado pelo clube.
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