Todas as discrepâncias recentes (e crescentes) entre as realidades de Flamengo e Vasco convergiram para o pornográfico placar de 6 a 1 estampado no Maracanã ao fim da tarde de domingo, que entra para a história não apenas como a maior vitória rubro-negra no "Clássico dos milhões", mas como retrato de uma época -- reflexo do abismo que hoje separa dois gigantes. Senão vejamos. Enquanto o Flamengo, nos últimos anos, tem uma administração estável, um elenco fortíssimo e sua torcida se dá ao luxo de discutir problemas menores, até mesmo descabidos, como o desempenho de Tite na casamata, o Vasco entrava em campo na condição de um clube sem dono, com um time desequilibrado e insuficiente e um técnico estreante. Os perrengues vascaínos não vêm de hoje, inclusive o clube especializou-se na sádica arte de triturar a alma de sua torcida, mas no último ponto reside o disparate maior, ao qual nenhum clube pode sucumbir, não interessa a orgia administrativa e gerencial em que se encontre: colocar um técnico para fazer seu primeiro jogo justamente em um confronto dessa envergadura, o tipo de compromisso capaz de moer o espírito, interferir nas marés e bagunçar a própria atividade das placas tectônicas.
Como uma espiral de agonia, dentro de erros monumentais surgem outros equívocos, secundários, mas igualmente decisivos para o traumático revés. Como falência coletiva e individual e, sobretudo, a incompreensível audácia do técnico estreante Álvaro Pacheco, que colocou o time para pressionar avançado já quando atuava com um jogador a menos e sofria uma ainda digerível derrota de 3 a 1. O resultado é que o Flamengo decidiu que castigaria sem clemência um adversário ao mesmo tempo tão exposto e demasiado atrevido -- além de seis gols, teve TRINTA finalizações, deixando a equipe vascaína com a consistência de um guardanapo molhado no gramado do Maracanã.
Se é possível se armar com uma lupa e tentar encontrar algum fato promissor, seria possível apontar os primeiros vinte minutos do clássico, com a equipe demonstrando o que, se imagina, seja uma visão próxima ao que Álvaro Pacheco pretenda para o time. Mas seu ataque de coragem no segundo tempo resultou em um golpe cruel demais para o já combalido espírito vascaíno. Também colocou na frigideira, gemente no azeite, um trabalho que praticamente nem começou. O técnico pediu desculpas pela goleada, mas daqui a quatro semanas ou quatro anos ele estará bem longe de São Januário. A humilhação, no entanto, é para sempre.
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