Um gol como o de David Luiz pode ser uma ocorrência fortuita, um golpe das circunstâncias num jogo que tranquilamente alcançaria um final diferente e não seria necessário falar em injustiça. Pode ser um leve desequilíbrio da balança da sorte e da falta de sorte, um cabeceio que atingiu o goleiro, e, em vez de sair, entrou. Pode ser apenas mais um gol tardio que renova a magia do futebol e transforma o ambiente de um estádio, assim como se deu na rodada anterior, com o mesmo Flamengo, em Curitiba. Ou pode ser mais. David, o autor, tinha o rosto desfigurado pelo momento enquanto corria pelo gramado, em mais uma prova de que jogadores consagrados – contém ironia – só se preocupam com o salário. O público no Maracanã reagiu com a loucura própria dos instantes que fazem do futebol essa coisa sublime. A comissão técnica se juntou aos jogadores no campo, após o apito, no tipo de celebração que, a um desavisado, sugeriria algo muito maior do que uma vitória na décima rodada do Campeonato Brasileiro.
Não é algo corriqueiro, em especial na temporada do Flamengo, descrita pelos mais ácidos, em tempos não muito distantes, como uma lenta procissão rumo à inevitável troca de treinador. A goleada de contornos históricos e placar de tênis sobre o Vasco certamente foi o ponto mais alto, mas, por marcar a despedida dos jogadores convocados para a Copa América, talvez tenha sido enxergada como uma ocasião isolada. Se o elenco completo tardou tanto para entregar uma atuação daquele porte, um time drasticamente atingido em seu meio de campo e com ausências por lesão que obrigam Tite a recorrer a improvisações teria, em tese, sérias dificuldades para competir em alto nível.
O Bahia aplicou essa ideia quase à perfeição no Maracanã. Imposição técnica rara de ser ver, tratando o campo como se fosse sua propriedade e reduzindo o Flamengo a níveis de posse de bola muito inferiores aos habituais. O jogo admite diferentes estilos e não discute gostos pessoais, mas o futebol que se expressa com coragem e certa dose de petulância deve sempre ser aplaudido. Foi o que fez o time dirigido por Rogério Ceni por cerca de uma hora, sem sacar, porém, o resultado que pretendia. Este é um jogo que apaixona também porque, por vezes, desconsidera a gratidão.
Quando o Flamengo passou a se defender com mais agressividade e o ritmo da rotação baiana caiu, o segundo gol do Flamengo se tornou palpável. Quase aconteceu uma e outra vez, e seria natural. A novidade foi a postura do time com a proximidade do final do encontro, diferente da resignação ou até da impotência demonstrada em outras noites em que o resultado foi aceito como se fosse imposto, indiscutível. Desta vez, e aqui vale mencionar novamente o empate com o Athletico Paranaense, o Flamengo não se conformou. A chance de outro gol nos acréscimos via bola parada e erguida na área pode não ser muito atraente, mas é zero para quem não acredita. O cabeceio de David Luiz foi a recompensa.
Existem gols que aglutinam equipes, aproximam a arquibancada do campo, e são lembrados, com o passar do tempo, como uma cola invisível que ajuda a construir o caminho. Enquanto David corria como um maluco e tentava abraçar o Maracanã, o Flamengo esqueceu quem está ausente, quem está machucado, quem está exausto. O campeonato dirá se foi uma emoção passageira.
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