Foto: Gilvan de Souza/ Site Flamengo
Há exatos 13 dias, o Flamengo comunicou, através de nota oficial, que José Neto não era mais técnico do clube. A decisão, tomada em comum acordo, pôs fim a uma parceria emblemática e vitoriosa. Diego Falcão (Preparador Físico) e Rodrigo Carlos (Auxiliar) saíram junto com o comandante. Essa movimentação significou o encerramento de um ciclo inesquecível.
Neto ficou à frente do time da Gávea por seis temporadas e acumulou muitos títulos. No total, foram cinco Estaduais, quatro NBB's consecutivos, Liga das Américas e Mundial. Essa hegemonia construída passa, diretamente, pelo trabalho interdisciplinar implantado desde a sua chegada, no meio de 2012. A reestruturação e a mudança de perspectiva do basquete rubro-negro são, também, méritos do coach, que confiou no projeto a longo prazo.
Após a confirmação da saída, grande parte da torcida se posicionou nas redes sociais com mensagens de agradecimento. Tal atitude comprova o nível de respeito adquirido ao longo desses anos. A gratidão é mútua. Além das conquistas, o comandante esteve presente em feitos relevantes, como os jogos diante de franquias da NBA.
O fim da passagem é, inegavelmente, um marco. José Alves dos Santos Neto deixou seu nome na história da Instituição, algo que ninguém pode apagar. A era campeã dá lugar, agora, às lembranças e ao legado. E ninguém melhor que o próprio para falar sobre. Confira, na íntegra a seguir, o bate papo completo e emocionante.
Avaliação geral e conclusão do plano de metas
Esses seis anos me amadureceram muito como profissional e pessoa. Ficar tanto tempo em um time como o Flamengo faz com que a gente saia bem melhor, independente da condição. Quando cheguei, falei que tínhamos um propósito além de ganhar. Voltar a vencer era importante, mas precisávamos fazer um bom trabalho para colocar o clube como referência, e isso acabou acontecendo. Depois disso, várias equipes passaram a perguntar como fazíamos. Inclusive, dei algumas palestras sobre o tema. A sequência de títulos que tivemos, começando pelo NBB, passando por Liga das Américas, até o Mundial, foi fruto de um esforço grande. Mais do que os troféus, que todo mundo pode ver no museu, fica a maneira que trabalhamos e a criação de um grupo de trabalho. Foi necessário para alcançarmos o alto nível. Solidificar isso de forma multdisciplinar, com respeito às funções, é um saldo positivo. Conseguimos atingir o objetivo no cenário nacional.
Trabalho multidisciplinar
Mais do que os títulos, a condição de trabalho merece destaque. É muito difícil encontrar, em uma Liga como o NBB, algum time com 80% de aproveitamento na temporada regular. Mas o Flamengo conseguiu. Evidentemente, trabalhando. Nas quatro conquistas, tivemos números expressivos e formamos elencos fortes. A metodologia fez a diferença. Ter uma equipe multidisciplinar é necessário para o êxito. Esse tipo de unidade, com todos focados no mesmo propósito, é o nosso legado.
Mundial como conquista marcante
O título que mais me marcou, com certeza, foi a Copa Intercontinental. Dizem que são apenas dois jogos, mas para chegarmos até lá, tivemos que vencer a Liga Nacional e a Liga das Américas. Essa última de forma invicta. Antes, o Flamengo nunca tinha participado de um Final Four. A sequência de trabalho resultou nisso. Se trata de uma competição mundial reconhecida pela FIBA, que é o órgão que rege o basquete, então, existe uma grandiosidade. Ter uma equipe brasileira vencendo uma da Euroliga é um marco para a modalidade no país.
Jogo especial
De novo vou ter que citar o Mundial (risos). Escolho a segunda partida contra o Maccabi. Tínhamos o saldo negativo, saímos perdendo, viramos e vencemos por 90x77. Nunca vou esquecer esse placar. É óbvio que outros jogos foram marcantes. Um que posso relembrar aconteceu na Liga das Américas de 2014. Estreamos diante do Capitanes de Arecibo, time que tinha feito um baita investimento, treinado nos Estados Unidos. Estávamos preocupados e estudamos bastante o adversário quase sem acesso. Fizemos uma avaliação criteriosa dos jogadores, com todas as características, e quando paramos para olhar, já tínhamos colocado 40 pontos de vantagem. Foi um confronto que deu força para seguirmos no torneio.
Evolução das finais do NBB
Ninguém gostava desse formato. E quando digo isso, não falo só do Flamengo, não. Mas era importante para o basquete. A final em jogo único trazia uma visibilidade que a modalidade necessitava, principalmente, por ser transmissão em TV aberta. Posteriormente, com uma dimensão maior, tendo uma afirmação, as coisas foram evoluindo para o playoff. Primeiro em três jogos, depois em uma série melhor de cinco, que é um ganho para o esporte. Vencemos em todas as possibilidades. Ter vivenciado toda essa transformação foi excelente.
Conceito de jogo baseado na intensidade
Sempre acreditei que o basquete tem que ser jogado com um fator importantíssimo: a intensidade. O time que consegue jogar com ela alta em boa parte do tempo, ganha uma vantagem. Não só ofensivamente, mas defensivamente também. Durante os 40 minutos, em algum momento, você vai ter que balancear. Não dá pra ser só ataque ou só defesa. Esse equilíbrio transforma a equipe e faz com que as chances de título sejam maiores. Para isso, é preciso ter uma preparação. Não adianta saber atuar de forma consciente, tem que estar preparado. Colocamos em prática por conta da engrenagem. Nossos elencos tiveram poucas lesões, e não é fácil. Lembro que perdemos o Marcelinho em uma temporada, e o Benite em outra, mas essa maneira nos ajudou a superar todas as adversidades.
Crescimento pessoal e profissional
Se eu chegasse pra você e falasse que, nesse período todo de Flamengo, eu coloquei minha maneira de trabalhar igual Joinville e Paulistano, ou em outras equipes, sairia daqui triste. O basquete evolui a cada ano e nós temos que ficar atentos. Precisamos estar preparados para os avanços. Quando a gente começou, lá no início, os jogadores eram uns. Nessa última temporada, outros. Só Marcelinho, Marquinhos e Olivinha estiveram conosco esse tempo todo. De resto, reformulamos. Jogamos de acordo com as formações e tentamos praticar o que acreditamos. Tivemos adaptações dentro e fora de quadra e aprendemos a lidar com inúmeras situações para trabalhar com excelência. É impossível fazer da mesma forma sempre. Busquei evoluir, melhorar e aprender. O Neto que está saindo em 2018 é totalmente diferente do que entrou em 2012. Estou pronto para novos desafios.
Importância do Fla
Aqui consegui praticamente todos os títulos, e isso marcou minha carreira. Ser campeão por qualquer time é uma coisa, já pelo Flamengo, é outra dimensão. Tudo se potencializa. Nesses seis anos, vi as situações se multiplicarem duas ou três vezes, com uma proporção gigante. Quando você entra em uma grande potência e vê ela se reformulando, ajustando e ficando melhor, sente que contribuiu. Vejo o Flamengo muito superior hoje, assim como o nosso trabalho. Ajudamos o clube a se tornar referência nacional e internacional.
Carinho pós-saída
Uma vez participei de uma palestra com o Rodrigo Pimentel, do Tropa de Elite, e ele falou que perguntavam muito porque algum efetivo do BOPE pedia para sair. Então, fizeram uma pesquisa. Foi porque eles tinham medo? Não. Foi porque recebiam pouco? Não. Foi porque não tinham segurança? Não. O que mais contribuia para a desistência era a falta de reconhecimento. Eles suportavam tudo, menos isso. E quando vejo essa forma de gratidão que as pessoas estão tendo agora, pelo que fizemos, é algo que conforta bastante e passa credibilidade para a sequência. De uma maneira geral, é uma força grande. Só dei esse exemplo porque, realmente, essa constatação é o que te empurra para frente. Fiquei animado ao receber todo esse suporte.
Relação com a torcida
Eu sempre respeitei o torcedor. Primeiro porque sair do conforto da sua casa para ir assistir a um jogo, é algo que merece, no mínimo, o agradecimento como recompensa. É claro que, sabendo disso, a gente procurava compensar e atingir a expectativa de cada um, que é ver seu time vencendo. Então, tivemos apoio. Você percebe que se trata de uma Nação quando vai jogar em Xalapa, no interior do México, em pleno carnaval, e vê alguém lá gritando e apoiando. Quando vivemos momentos complicados, eles nos seguraram. E nunca vou esquecer do 'Ah, é José Neto'. Guardarei com muito afeto.
Futuro
Para frente, é hora de avaliarmos tudo que aparece. Colocarmos na balança mesmo. Eu não quero ser contratado só para ser um técnico, almejo contribuir com o trabalho. Pretendo fazer com que aquele clube, ou instituição, tenha um profissional comprometido. Essa é a ideia. É um momento de ter todos os feedbacks possíveis. Hoje, depois de treinar o Flamengo por tanto tempo, me sinto bem para qualquer desafio.
Mensagem de despedida
Eu não tenho como não agradecer ao Flamengo por tudo, e fiz questão de colocar no meu post nas redes sociais. Fico muito feliz pelo grupo que formamos, e digo isso da preparação física ao funcionário mais simples que limpava a quadra e era fundamental para que a gente pudesse fazer um bom treino, até o Presidente. Sou eternamente grato aos fisioterapeutas e médicos também. Aos jogadores, malucos, que acreditaram em nós e executaram o trabalho. Eles são os caras. E, claro, ao torcedor. A torcida que é o orgulho da Nação.
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